Escolhas. Por Alexandre Henrique Santos
… O tema das escolhas e do livre-arbítrio é fascinante, profundo e complexo. Poderia encher inúmeras bibliotecas. Há tempos ninguém duvida que seu campo de abrangência e compreensão é transdisciplinar – vai da Filosofia e da Ética até a Biologia e as Neurociências…
“Pense com atenção no que você deseja,
porque você pode conseguir.”
Provérbio popular
O filho adolescente de um amigo reclamou comigo as falhas e os perrengues da sua educação doméstica. Após ouvi-lo com atenção, decidi provocar: expliquei que nas crenças kardecista, budista e várias outras, o espírito desencarnado escolhe livremente a família onde quer nascer. A escolha tem como principal critério os benefícios e as adversidades que o grupo familiar oferece para a aprendizagem de cada qual. De modo que, segundo essas visões, o espírito humano encarna onde terá as melhores condições de ser e de se desenvolver. O jovem se surpreendeu com a esperteza do meu argumento. Mas logo se refez e não deixou barato. Olhou-me bem nos olhos e disparou: “O problema, tio, é que quando o espírito erra na escolha já não dá tempo de corrigir!” – Dessa vez quem se espantou fui eu com a agudeza do garoto. Caí na risada.
O tema das escolhas e do livre-arbítrio é fascinante, profundo e complexo. Poderia encher inúmeras bibliotecas. Há tempos ninguém duvida que seu campo de abrangência e compreensão é transdisciplinar – vai da Filosofia e da Ética até a Biologia e as Neurociências. Mas o presente artigo e minha competência são bem mais modestos. Quero me ater às decisões que a pessoa toma no dia a dia, e que impactam ou alteram o rumo do futuro.
No meu início de carreira como profissional liberal enfrentei o Mercado de Serviços com a intrepidez dos 30 anos. Certa manhã o cliente me solicitou uma palestra sobre algo que não era exatamente a minha praia. Consultei o meu saldo bancário, respirei fundo e decidi aceitar o trabalho. Após desligar o telefone eu sabia o que devia fazer: passei na livraria mais próxima, comprei a melhor bibliografia e virei noites estudando. Fiz mais, liguei para um colega especialista e marcamos duas horas de conversa. Nada disso, porém, me fez ter a confiança, a segurança e – sobretudo – a honesta quilometragem de alguém que seja da área.
Para resumir, sobrevivi ao desafio e fui bem avaliado. Mas o feedback reservado e até respeitoso dado por um aluno vivido e calejado, me fez prometer a mim mesmo que jamais, em tempo algum, eu volto a passar pelo que não sou!
Esses “causos” servem para ilustrar que nos tornamos responsáveis por tudo que decidimos. Daí a validez da epígrafe. Há decisões que nos permitem voltar atrás. Outras são peremptórias, irreversíveis – como a decisão de ter um filho ou de fazer vasectomia.
Como ocorre com as pessoas, também as sociedades aprendem com o resultado das suas experiências – as boas e as más. A extrema direita só chegou na Presidência em 2018, porque a população brasileira em peso fez uma escolha. E Jair nunca escondeu quem é. Várias vezes repetiu que só acreditava em mudança feita através da uma guerra civil. Por isso o empenho em separar o “nós” e “eles”. Por isso a escolha de armar a sua bolha. Daí o constante incentivo a violência: “Quem não pensa como eu, é meu inimigo!”, comunista merece morrer etc.
O preço que a Democracia brasileira está pagando e ainda pagará por tal aprendizado é altíssimo. A Equipe de Transição apenas começou a trabalhar e já se deu conta do tamanho da encrenca, digo, da fatura das más escolhas do mito – que parece nem se importar com isso.
Ainda bem que vai embora.
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*Alexandre Henrique Santos – Atua há mais de 30 anos na área do desenvolvimento humano como consultor, terapeuta e coach. Mora em Madri e realiza atendimentos e workshops presenciais e à distância. É meditante, vegano, ecologista. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes..
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