(ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O ESTADO DE S. PAULO, E NO SITE DO AUTOR, www.gabeira.com.br, EDIÇÃO DE 9 DE DEZEMBRO DE 2022)
Há gente talentosa na transição. Mas ainda não ouvi falar de coisas novas, apenas a velha maneira de criar um grande teto para que ninguém fique na chuva.
Neste momento de transição de um governo para outro tão diferente, há muitos temas fascinantes, além de conhecer a verdadeira situação do País.
Um deles é definir o organograma da gestão do País, quantos ministérios, por exemplo, serão necessários para essa tarefa.
Impossível fugir a uma realidade: governo de frente ampla, entre outra coisas, precisa de apoio no Congresso. Há muitos aliados por acomodar.
O primeiro impulso é criar o maior número de ministérios, inclusive porque existe a crença, em nosso mundo político, de que a maneira adequada de reconhecer a importância de um tema é elevá-lo à condição de ministério. Esse caminho traz seus problemas, e um deles é o gigantismo da máquina estatal, com aumento de gastos, enfim, algo que aprofunda o abismo entre a sociedade e o mundo político burocrático que a governa.
Existe alternativa para solucioná-lo, sem perda da base política? É preciso fazer uma tentativa muito cuidadosa para evitar surpresas.
Um dos passos que poderia ser fundamental: a criação de um grupo, entre tantos outros, dedicado a pensar como a revolução digital pode tornar um governo mais leve, barato e eficaz.
Essa reflexão deveria preceder o próprio organograma, pois daria as coordenadas para reduzir a estrutura, inclusive obtendo maiores resultados práticos.
Outro passo importante é convencer os aliados de que o melhor lugar para eles é onde seu trabalho lhe renderá mais reconhecimento, logo, mais possibilidades eleitorais. Às vezes, uma estrutura mais enxuta ou simples programa pode projetar mais um partido do que um pesado ministério. No caso da cultura, por exemplo, quem desenvolver um programa como o dos pontos culturais ao longo do Brasil, como foi feito no passado, poderá obter mais resultados do que se dissolver no ar-condicionado de Brasília.
Existem milhares de pescadores no Brasil e uma extensa costa. Mas será que o problema deve ser abordado por um Ministério da Pesca, às vezes ocupado por um político que desconheça o tema?
Aliás, no caso da pesca, um simples grupo que se dedique a colher informações daria um grande passo adiante. Desconhecemos a situação de mais de 90% das nossas espécies.
Possivelmente, um dos grandes problemas do setor é a sobrepesca. Será necessário um ministério para baixar a bola? Ou mesmo a grande ameaça aos pescadores artesanais, a poluição dos mares, pode ser equacionada por um Ministério da Pesca?
O trabalho de transição de um governo para o outro, de modo geral, é rápido e tende a desaparecer na esteira dos problemas cotidianos que a realidade de governar suscita. Embora não tenha nenhuma certeza sobre isso, suspeito de que o resultado poderia ser outro se, ao invés da criação de inúmeros grupos estanques, houvesse desde o início um esforço multidisciplinar, pequenas constelações que abordariam a complexidade não só de avaliar, como a de propor.
Documentos básicos como os relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) poderiam ser o ponto de partida para abordar a realidade do governo, restando apenas a definição de um programa para enfrentar e o desenho de uma estrutura para realizá-lo.
O caminho inicial de criar muitos grupos atende, também, ao fato de que o governo pretende ter um perfil de frente ampla e, em consequência, precisa acomodar o maior número de apoiadores. Essa escolha é razoável porque seleciona talentos, premia apoiadores e, inclusive, oferece a muitos um dado positivo no currículo: ter participado do grupo de transição.
Há uma vantagem na gratificação simbólica, pois o novo governo terá menos gente a acomodar, tendo de certa forma pago sua dívida de campanha.
Mas um governo não pode ser apenas um pagador de dívidas de campanha. Na hora do vamos ver, seria necessária uma estrutura muito enxuta e eficaz, o que não tem nada que ver com o tão propalado Estado mínimo dos liberais nem com a estrutura gigantesca dos estatizantes: apenas a forma exata para encaminhar uma tarefa histórica num país em algumas áreas devastado pela incompetência de Bolsonaro.
A ideia da diversidade partidária num governo, assim como outras diversidades, em princípio, pode ser algo positivo. No entanto, talvez seja necessário dentro deste quadro não tanto um partido hegemônico no sentido de guardar para si as melhores fatias do bolo. Faz falta uma vanguarda que, sem negar as necessidades de seus aliados, os desperte para seus interesses estratégicos, em detrimento dos imediatos.
Um tipo de vanguarda, por exemplo, que também faz falta no agrobusiness para convencê-lo a abrir mão de lucros imediatos e garantir uma permanente e sustentável posição no mercado mundial.
Com tanta gente talentosa no numeroso grupo que faz a transição, possivelmente esses problemas já tenham sido levantados e equacionados de uma forma mais adequada do que formulo aqui. O problema é que ainda não ouvi falar de coisas novas, apenas a velha maneira de criar um grande teto para que ninguém fique na chuva.
O desafio é muito grande, não só pelos problemas que se acumularam, mas principalmente pelo tipo de oposição vulcânica que, a qualquer momento, entra de novo em erupção.
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Fernando Gabeira*– é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. Atualmente na GloboNews, como comentarista. Foi candidato ao Governo do Rio de Janeiro. Articulista para, entre outros veículos, O Estado de S. Paulo e O Globo, onde escreve às segundas. Programas especiais – reportagens – para a GloboNews. Semanalmente, o podcast Fala, Gabeira! – no YouTube
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