Farofa, Formiga, Medos. Por Marli Gonçalves
Sou boa na farofa, me garanto. Aliás, minhas comidinhas são bem boas – inclusive sempre foram – bem temperadas, tudo muito natural. Quem provou, aprova. O segredo é curtir gostoso o momento da mistura, a criatividade dos envolvidos. O momento da entrada de cada um, remexidos.
Nossa, como ouvimos falar de farofa essa semana! Eram os ecos de uma festa lá no Ceará e que ainda não entendo bem se é festa, se é festival, se é só zoeira, e que zoeira! Se é jogada de marketing, vitrine digital, uma animada, rica e safada festinha de aniversário. Ou, sei lá, se é tendência sair juntando tudo quanto é influencer e jogá-los juntos para ver se procriam com tantos hormônios e apelos sexuais. É like pra lá, like pra cá, like beija coraçãozinho, coraçãoozinho faz live contando detalhes, mesmo os que rolaram no tal quarto escuro, que essa moçada só descobriu agora. Mas que o dessa farofa aí deve ter sido bem decorado, e sem cheiros, preciso lembrar que grudam, sempre terríveis. Imagino seguranças à porta tentando conter o uso dos celulares, agora parte do corpo dessa geração. Cabeça, corpo, membros, celular.
Sobre a dona da festa, Gessica Kayane Rocha de Vasconcelos, que por motivos óbvios se encarnou como Gkay, até agora não consegui chegar a qualquer conclusão definitiva. Uma parte de mim se impressiona com ela e a sua capacidade de aparecer; a outra não gosta do humor, da voz, do tom, não conheço todos os apitos que toca.
Enfim lembrei muito da farofa, esta, da Gkay, que competiu – e ganhou quilômetros de espaços – até contra jogos da Copa, formação de novo governo, e a minha. A minha memorável farofa, nunca igual a outra; nem conseguiria.
Demorei muito tempo para me habilitar na culinária. Minha mãe, que nasceu e teve infância lá na cidade de Formiga, em Minas Gerais, então uma cidade de roça, pequenina, diferente do que me parece hoje, já acoplada à região metropolitana de Belo Horizonte, me afastava de qualquer tentativa. Pois bem, na sua infância lá na década de 30 do século passado, uma amiga foi brincar perto do fogão a lenha, a panela fervente caiu sobre ela e aí vocês já imaginam a sequência que a traumatizou durante toda a vida, como outros tantos traumas que a levaram, assim que pode, bem pra longe dali para nunca mais querer voltar. Dessa forma, passei pelo menos mais de 40 anos de minha vida com mamãe cercando mais o fogão do que o nosso goleiro cercou a rede. Com mamãe não sairíamos da Copa. Era marcação cerrada.
Isso só mudou quando ela começou a ficar doente, um pouco mais dependente e, pasmem, começou a adorar as coisas que eu fazia. Esses anos distantes do fogão não foram em vão: aprendia. A observava. E uma coisa acabamos tendo em comum. Nada de receita, vamos fazendo o que o coração manda, com o que tem por perto, tudo cortado na hora. Meu irmão odeia que eu diga isso: mas também não tenho o costume de provar antes. Gosto desse jogo arriscado (tá bom, ok, errei poucas vezes, servi um chabu, mas tudo bem porque, como acabamos de ver e tomar na cabeça, nem sempre a vitória é garantida).
Fora tudo isso, o duplo sentido usado aqui e ali, no fundo agora escrevo sobre o medo, esse sentir que nos estilhaça e muitas vezes detém por muito tempo. A farofa-festa mostrou, ao contrário, uma diversidade e até sem-vergonhice de encher os olhos, seja como for, o que dá esperança que essa geração que chega seja ainda mais ousada do que nós que abrimos a clareira.
Quanto à minha farofa… como disse, tem mais. As minhas comidinhas sempre foram muito boas. Pelo menos teve muitos que gostaram. Talvez ainda gostem. Vamos em frente.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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Cara Marli,
Sua crônica me fez– mesmo que inconscientemente – voltar ao meu passado.
Minha mãe, por algum motivo que desconheço, de repente ficou presa a cama.
Não sofreu acidente, não foi agredida, nada….
O médico falava em doença de nervos, hoje seria assunto para psiquiatra.
Mas, agora, não vem ao caso.
Apenas se quedou na cama e, durante um tempo que não consigo determinar, ali ficou.
Tinha meus oito anos, e nada podia entender.
Todos os meus irmãos eram mais velhos e trabalhavam, atitude normal naqueles tempos.
Então, por força dessa situação aprendi a cozinhar, lavar, passar, limpar e – coisa de passado distante- chulear.
Ela, na cama ensinava como fazer e, aprendi …
Então, hoje me “viro” bem; casamentos se desfizeram e, agora sim estou tranquilo a 30 anos, com quem me entendeu e dois filhos e netos na conta.
Por quê tudo isso?
Apesar de fazer massas – no sentido literal de as começar a partir de trigo – carnes outros pratos, tenho que admitir: não sei fazer farofa!
E, olhe que gosto!
Então, a conclusão é que temos que admitir: sempre faltará algo mais e, nada sabemos, embora nos consideremos completos.
Minha mãe não me ensinou a fazer farofa!
Um abraço.
inté!
Querido Zé, que recado mais lindo!
Depois te ensino um passo a passo rápido, ok? Fique tranquilo. Aprendemos muito em momentos terríveis de nossas vidas.
Beijocas . Muito obrigada
Desconhecia essa Gkey e descobri que nada perdi com minha ignorância.
Já a farofa conheço desde tenra infância: neta de baiana, farinha sempre esteve presente na minha vida.
Também eu não experimento a comida que faço e já aconteceu de “dar ruim” algumas vezes.
Amo farofa.