Cretinice. Por José Horta Manzano
Em matéria de futebol, a catástrofe está sempre à espreita. Ontem foi o dia da Suíça, que perdeu para Portugal com placar caudaloso: 6 x 1. O choque equivale ao ‘mineiraço’ brasileiro de 2014. Como prêmio de consolação, vou publicar um artigo que escrevi anos atrás. Traz curiosidades do país alpino.
Você sabia?
Todo país, por menor que seja, sempre acaba dando sua contribuiçãozinha à humanidade. É natural que países maiores e mais populosos sejam responsáveis pela criação de maior número de palavras internacionais, produtos, conceitos, invenções. Mas os pequenos também têm vez.
A Suíça, por exemplo, apesar do território exíguo e da população diminuta, está por trás de ideias, objetos e conceitos que se espalharam pelo mundo. Vamos fazer um teste pra ver se você sabe.
Gruyère
É queijo tipicamente suíço conhecido por ser cheio de buracos. Ingrediente indispensável em qualquer fondue. Certo?
Depende. Produzido na região de Gruyère, é tipicamente suíço, sem dúvida. É o ingrediente chave de toda boa fundue. No entanto, diferentemente do que muitos acham, o queijo Gruyère não tem furos. É lisinho, lisinho. Quem tem furos é o emental, produzido no Emmenthal (Vale do Rio Emmen).
Swatch
É criação suíça. Certo?
Certo. Foi bolado pelo grupo relojoeiro que hoje leva o nome do modelo: Swatch.
Velcro
É invenção suíça. Certo?
Certo. Foi inventado pelo engenheiro suíço George de Mestral (1907-1990).
Albert Einstein
Era cidadão suíço. Certo?
Certo. Nasceu no Império Alemão, mas naturalizou-se suíço aos 22 anos. Adquiriu outras nacionalidades ao longo da vida, mas conservou a suíça até o fim.
Cuco
O relógio de pêndulo conhecido como cuco é antiga invenção suíça. Certo?
Errado. O cuco foi criado na Alemanha ‒ mais especificamente na Floresta Negra ‒ no século 18.
Polilinguismo
Todos os suíços são poliglotas ou, pelo menos, bilíngues. Certo?
Errado. O país é composto de cantões. Cada um deles tem sua língua oficial. Alguns têm até duas. A maioria dos suíços, no entanto, fala uma única língua. Mais curioso ainda é o fato de a língua inglesa estar-se impondo, cada vez mais nitidamente, como segunda língua. Hoje em dia, é comum ver dois suíços de língua materna diferente se comunicarem em inglês.
Cretinismo
A palavra cretino é de origem suíça. Certo?
Certíssimo. O distúrbio conhecido como cretinismo, que perturba fortemente o desenvolvimento físico e mental, é causado principalmente por carência de iodo. Nos tempos de antigamente, os habitantes de aldeias de montanha salgavam os alimentos com sal gema (não marinho), pobre em iodo. A incidência de distúrbios ligados ao cretinismo era elevada.
No Valais, cantão montanhoso e então pouco desenvolvido, a patologia ocorria com frequência. O povo chamava os infelizes doentes de “pauv’ crétin” ‒ pobre cristão, no dialeto local. Descoberta a origem da doença, iodo passou a ser adicionado ao sal. O distúrbio desapareceu, mas o nome ficou. Não só ficou, como se instalou em grande número de línguas. Assim:
Português: cretino
Russo: кретин (kretin)
Inglês: cretin
Sueco: kretin
Polonês: kretyn
Lituano: kretinas
Húngaro: kretén
Francês: crétin
Finlandês: kretiini
Curiosidade final
Corrupção, corrupto & derivados não são de origem suíça. Nem brasileira, diga-se logo. Corrupção é mais velha que o rascunho da Bíblia. A raiz rup vem de longe. Encontrada já no sânscrito, passou às línguas europeias. Traduz qualidade violenta, súbita ou negativa, como romper, despedaçar, irromper, roubar.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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