dog whistle

Dog Whistle – o silêncio eloquente. Por Alexandre H. Santos

A sabedoria popular nos adverte que “quem cala consente”. Esse silêncio do presidente pode ser tudo, menos inocente. Seu mutismo tem a função do dog whistle – é uma mensagem eloquente, um aval para as ações violentas que têm eclodido em diversos pontos do país…

Apito de cachorro, ou política do dog whistle, é uma mensagem política empregando linguagem em código que parece significar uma coisa para a população em geral, mas tem um significado mais específico e diferente para um subgrupo-alvo.
Wikipédia

Ancol Silent Dog Whistle | Houghton Country

Desde que aprendi, ainda no colégio, que a palavra responsabilidade significava “ser capaz de responder por”, várias coisas começaram a fazer mais sentido para mim. Tendo perdido meu pai muito cedo, logo concluí que a quota de respostas que a vida iria exigir de mim seria algo maior do que a dos colegas que tinham em casa quem respondesse por eles. De forma que há muito me acompanha, quase como sombra, o solitário empenho de assumir as coisas que faço ou que deixo de fazer.

Feita essa introdução autobiográfica-semântico-etimológica, deixo de lado salamaleques e rapapés e vou direto ao ponto: esse artigo trata de responsabilidade. E já coloco o dedo na ferida – todos compomos, literalmente, uma nação de completos imbecis, ou cada brasileira e brasileiro que tenha mais de dois neurônios conhece quem responde pela onda de ódio e violência que se espalhou pelo país logo após o segundo turno da eleição. Independentemente do candidato em quem votamos, só alguém de muita má fé dirá que não sabe nome e sobrenome do principal responsável pelos atos terroristas contra o Estado Democrático de Direito.

Não existe nenhuma passagem na história da nossa República de um presidente que tenha se mantido tanto tempo recluso num olímpico e absurdo silêncio. Com-ple-ta-men-te alheio à nação. Já se vão mais de três semanas sem que nenhuma explicação nos tenha sido dada; e somos nós que pagamos seu salário. Mesmo a doença, se supõe que erisipela, parece envolta em brumas, porque ninguém confirma, ninguém desmente. Aliás, nem isso justificaria seu desaparecimento, posto que nem durante as viagens internacionais deixou de realizar suas lives. Por que não fazer ao menos uma agora, em plano americano – o que lhe resguardaria da exposição da perna –, explicando à população as razões do seu sumiço?

A sabedoria popular nos adverte que “quem cala consente”. Esse silêncio do presidente pode ser tudo, menos inocente. Seu mutismo tem a função do dog whistle – é uma mensagem eloquente, um aval para as ações violentas que têm eclodido em diversos pontos do país. Há intensão e propósito claros nisso tudo. O que se busca é prolongar ao máximo a insatisfação e os ataques dos extremistas; mantê-los mobilizados e esperançosos até a posse de Lula. A prova cabal é que em momento algum o mandatário agiu para acalmar os ânimos acirrados dos seus sectários. Jamais criticou, mesmo que através de intermediários, a violência dos terroristas. Sequer lhe ocorreu a ideia de comunicar à Nação sua vontade de ver pacificados todos os conflitos; pedir aos seus eleitores para que reconheçam e aceitem a vitória do seu opositor – vitória legal e legítima.

O último intento vexaminoso do Presidente da República para melar as eleições veio essa semana, através do ex-presidiário Valdemar da Costa Neto, presidente do PL. Mas também esse tiro saiu pela culatra. Os juízes do TSE, Alexandre de Moraes à frente, perceberam não apenas a absoluta inconsistência das supostas provas apresentadas, mas descobriram o objetivo da fraude: jogar gasolina no fogo e aumentar em número e intensidade os atos terroristas contra o resultado das urnas e o Estado Democrático de Direito. Quer dizer, puríssima litigância de má-fé. Tentarei traduzir o juridiquês: é quando alguém, conscientemente, se utiliza de uma prova falsa com a finalidade de entorpecer ou dificultar a ação da justiça.

Isso é crime!

O difícil processo de transição que acompanhamos agora começa a revelar, quase que em escala geométrica, o buraco calamitoso em que o desgoverno do coiso afundou o país. Aquele senhor nervoso e grosseiro, que se jactava de não saber o que é corrupção, na véspera de perder o poder da caneta (Bic, claro!), já não tem como impedir que suas mentiras e seus crimes sejam divulgados. Aviso aos navegantes – acalme o coração, abra bem os olhos e tape com firmeza seu nariz: nos próximos dias, semanas e meses, virá à luz do Sol, em cascata, grande parte do que foi sistematicamente escondido do povo brasileiro.

Nenhum ser humano incapaz de empatia pode ser considerado saudável. O isolamento do coiso é real e é o preço da fatura que ele paga. Sua doença não é apenas física; também é mental, emocional e espiritual. Pois quem não quer, não sabe ou não consegue se maravilhar com a existência humana, lidar bem com o contraditório, acolher a diversidade, respeitar a natureza, suportar uma gafe, perdoar uma indelicadeza jamais deveria se meter na política, que é a arte de tecer relacionamentos civilizados. A cada dia que passa o silêncio eloquente com que o coiso inflou o ódio dos seus sectários se desidrata e tende a se tornar apenas afonia, uma triste e solitária mudez.

Alguém ainda duvida do que nós nos livramos?

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Foto: @catherinekrulik

*Alexandre Henrique Santos – Atua há mais de 30 anos na área do desenvolvimento humano como consultor, terapeuta e coach. Mora em Madri e realiza atendimentos e workshops presenciais e à distância. É meditante, vegano, ecologista. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes.

Acesse: www.quereres.com

Contato: alex@ndre.com.br

 

 

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