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Torcida. Por Marli Gonçalves

Torcida. Por isso. Por aquilo. A gente vive torcendo, uma loucura, nem que seja pra chegar ao fim do mês com as conta pagas. Pelo time, país, melhorias de vida, por amor. Torcida é difícil de ser medida, a não ser quando visível ou em movimento em estádios, nas ruas, nas redes. Mas quase nada é tão dilacerante e solitário quanto a torcida pela recuperação de um amigo ou ente querido.

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Vai ter torcida sim, claro, que o Brasil tem tradição e dias de Copa do Mundo costumam ser especiais, divertidos, diferentes, seja aqui ou lá no Oriente. É só começar, a bola entrar em campo, o primeiro gol. Lembra? O país é repleto de conhecedores, palpiteiros, críticos e técnicos de futebol. A Seleção entra em campo, o Hino Nacional vai ser entoado e aqui e lá estaremos nós, audiência alta, mão no peito, errando a letra, comentando o cabelo e as tatuagens dos jogadores, esperando refrões à capela dos que estarão presentes. Por alguns dias serão esquecidas as pendengas eleitorais, e até o enjoado sequestro do verde e amarelo nos atos antidemocráticos. Basta um golzinho. Um golzinho só.

Também ali não teremos, no fundo, exatamente como interferir. No dia, no calor, no humor dos jogadores, condições físicas, no time adversário, nas sacanagens, faltas, decisões dos juízes, escalações, VAR.  Se vai ter protesto, quem vai ser notícia se desrespeitar as rígidas leis e mandos da cultura local. O pacote completo entra em campo e minuto a minuto dos 90 regulamentares será o olhar a movimentação no campo. O time todo representará o país, juntando corintianos, flamenguistas, palmeirenses, vascaínos, são-paulinos, atleticanos, etc.  – trocam as bandeiras por uma só. O barulho da torcida será a motivação, o empurrão, e assim vamos até onde der.

Mas cada um de nós tem uma torcida paralela, além do futebol.  Um “tomara”. Algo que almeja, preocupa, pede aos céus. Algumas dependem de esforços nesse sentido, trabalho. Poucas, contudo, dependem tanto de fé quanto quando um ente querido cai doente, internado, dependendo de cuidados, eficiência de medicamentos, reação do organismo, controle de órgãos vitais. Dependem de Ciência, médicos e equipes, e enfim e ao cabo dos desígnios de Deus. Ou, do que seja lá de qualquer fé se professe.

Não é a primeira vez que me vejo nessa torcida por alguém fundamental em minha vida. Aconteceu com minha mãe, com meu pai, com o drama vivido no passado por alguns melhores amigos. Décadas de vida já me deram algumas vezes essa experiência difícil e  me fizeram entender o quanto somos nadas,  frágeis e incapazes nesse momento, para tudo o que apelamos, queimando velas, orando, enviando energias e pensamentos positivos que se renovam e se esgotam revezando no baile dos dias, das horas e minutos, em que cada vitória é comemorada mais do que gol; cada derrota, um pênalti perdido ali na boca do gol, e a gente xinga bactérias malditas de tudo o quanto é nome. A seleção em campo nessa luta trocada a cada plantão.

Seguir firme, ansiando e esperando informações que não chegam – e comemorando isto por conta da velha lógica de que notícia ruim chega logo, chega antes. Toda uma vida passa diante dos olhos nessa torcida que, embora individual, se soma de forma muito bela, emotiva e carinhosa a todos os outros amigos que estejam onde estiverem –  e são muitos – preocupados, querendo fazer algo, buscar o inatingível, emanar solidariedade, diariamente buscando a conquista da taça mais importante do mundo nesse momento: a alegria da volta do jogador ao campo de batalha onde os seus feitos e histórias marcaram ou modificaram profunda e particularmente a vida de cada um de nós, e que esteve ao nosso lado sempre que precisamos.

Todos, juntos, viramos Maracanãs repletos. Ou, melhor, no caso específico, um Itaquerão, torcendo por um de seus mais fiéis corintianos.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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4 thoughts on “Torcida. Por Marli Gonçalves

  1. Dia de Copa do mundo… « Que alegria », dirão alguns. Sinceramente, pra mim, uma chatice dessas que me fazem feliz por estar longe do Brasil. Estivesse aí, eu me sentiria oprimido pelas buzinas e cornetas pavorosas que tomam o território nacional nessas ocasiões, atordoado pelo excesso de alegria compulsória a que nunca me juntei. Quando morava aí, a sensação de que sou um criminoso, por dar mais atenção ao mal que o barulho faz aos meus cachorrinhos do que à euforia extática feita de nada que toma o povo, sempre me pareceu injusta : será que um cidadão normal, num país normal, não pode decidir se dá ou deixa de dar atenção a um time de futebol ? No fim das contas, o brasileiro não é mesmo muito democrático quando se trata de seleção brasileira : quem não torce, não se emociona por causa de um jogo de futebol, é pária. É tratado como tal. Enfim, cada povo adota a insanidade que quer (sociologia e psicanálise explicam apenas parte disso), e essa, definitivamente, não é a insanidade que eu quero.

    Por outro lado, teremos por aqui, pela primeira vez desde 1986, o prazer de ver nosso time nacional em campo. Será uma experiência curiosa. Três partidas e uma volta pra casa, ninguém dando bola nenhuma para o fato de que será um fracasso esportivo de proporções que fariam um brasileiro comum pensar em se jogar de um penhasco. O time vai tomar pelo menos uns doze gols e, com muita sorte, fará um – o « de honra ». Três derrotas depois, quando o time retornar, seus jogadores vão confirmar o que já sabiam : canadenses que tiverem conseguido achar um canal de TV que transmita os jogos não terão dado importância alguma ao evento, às derrotas, ao desempenho risível do escrete vermelhinho e branquinho. Pesquisa de opinião mostra que quatro em cada cinco canadenses não sabem absolutamente nada sobre a competição, e que aquele que sabe algo não se anima a ligar uma TV pra testemunhar o vexame. Animam-se um pouco mais com futebol feminino, em que o Canadá é melhorzinho, sem ser brilhante. Minha filha, por exemplo, joga num time feminino da universidade para a qual trabalha, mas tanto ela quanto suas amigas nunca pretenderam disputar quaisquer torneios ou coisa que o valha. Divertem-se com o esporte, que é bem mais feminino que masculino por aqui, mas fica por isso mesmo : quando o jogo termina, todo mundo volta para a vida normal e se dedica ao que realmente tem importância. De todo modo, veremos todos, em família e com algumas colegas de time de minha filha, as três partidas do time canadense nesta Copa. Não vai doer. Só vai ser engraçado, mesmo.

    Em tempo, aproveito a ocasião para desejar rápidas melhoras ao chumbo gordo. De longe, torço também pela sua recuperação. Divirjo de algumas ideias, mas respeito pela inteligência. O jornalismo brasileiro precisa dele em boa forma. Boa sorte ! Volte em breve !

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