Jorginho Guinle

Jorginho Guinle e o tijolo. Por Antonio Contente

… usando sapato de salto para parecer mais alto, me deu certeza de que, até, pode ter almoçado algumas beldades do segundo time de Hollywood…Jorginho Guinle

Para ser franco, acho absolutamente fascinante, maravilhoso, espetacular uma pessoa viver longos 88 anos sem nunca ter precisado trabalhar. Principalmente se, nessa quase centenária vagabundagem usufruiu sempre daquilo que os trabalhadores classificam como “do bom e do melhor”. Referindo-se, naturalmente, a comidas, bebidas, mas, sobretudo, belas mulheres. Até porque trabalhar, como se sabe e os chamados livros sagrados estão aí para confirmar, é um castigo de Deus. Vigente desde que, pelo motivo que todos sacam, Ele foi obrigado a expulsar Adão e Eva do Paraíso ordenando, com voz tonitruante, que passassem a ganhar o pão com o suor do próprio rosto.

Está claro que não sou afeito aos segredos de alcova dos outros, mas tenho sinceras dúvidas se o falecido “playboy” Jorginho Guinle papou, mesmo, todas aquelas atrizes que costumava jurar, nos bons tempos da sua invejada riqueza, que levou para a cama. E, no tema, só posso achar que foi bafo-de-boca ele entoar, em clave de sol, que faturou até a Marilyn Monroe, antes da fama, pôr 200 dólares de, digamos, cachê. Nessas condições, o traço mais fantástico da sua vida, para mim, acaba sendo tão somente o de que nunca precisou trampar.

Porém, na verdade, o que queria contar é que conheci, em carne e osso, o lendário “bom vivant”. Foi assim: o Porto de Santos, cuja administração fora concedida, em ato do imperador, à família do nosso herói, teria que ser devolvido ao governo 99 anos depois, e a data caiu em 1980 do século passado. Eu estava lá na cerimônia de devolução porque havia sido convidado, pela Portobras, para organizar a Assessoria de Imprensa do grande terminal santista que voltava a ser estatal. E, entre os vários membros do clã Guinle presentes à cerimônia, envergando vistoso terno branco, encontrava-se o estrelado “playboy”. Sobre quem, naturalmente, convergiam os olhares. Apesar da presença do governador do Estado, ministros, prefeito, deputados, senadores etc. Ou, como era comum na linguagem da imprensa de então, autoridades civis, militares e eclesiásticas.

Em virtude de uma das contingências do protocolo da festa, acabou sobrando para mim e para o jornalista Celso Teixeira Leite, assessor de imprensa da Portobras, ciceronear Jorginho para uma vista ao porto, um dos empreendimentos de onde saiu a grana que sustentou o boa vida. Andamos ao longo do cais de carro e, para finalizar a, se podemos chamar assim, excursão, fomos, de lancha, com bom uísque a bordo, devidamente consumido, para a margem oposta do canal onde ficava, entre outros, o Terminal de Fertilizantes; que, na verdade, não era um lugar muito limpo. Para atingir certo galpão, precisávamos passar pôr abertura que se encontrava entulhada com alguns tijolos. Eu mesmo me abaixei e peguei dois, enquanto Celso fez o mesmo com outros. Então virei para o famoso visitante e pedi que pegasse um, que travava a porta junto a seu pé.

         — Não – ele respondeu — me desculpe, me desculpe mesmo; mas não posso fazer isso…

         Rapidamente, sem dizer nada, meu colega se apressou em fazê-lo, imaginando que o elegante senhor poderia estar com algum problema na coluna, impedido, assim, de se abaixar. Porém, logo, Jorginho, com um bom sorriso, explicou:

         — Uma das famas que tenho, e que faço questão de manter, é a de nunca, nesta vida, ter carregado sequer um tijolo. Não é agora que vou obrar isso, ainda mais na frente de dois jornalistas, com essas duas baitas máquinas fotográficas que estão portando. Faço questão absoluta de não manchar minha biografia…

Deu uma bela gargalhada e fomos em frente. Afinal, de fato, ele tinha certo “sense of humour”. Mas, daquele tamanho, usando sapato de salto para parecer mais alto, me deu certeza de que, até, pode ter almoçado algumas beldades do segundo time de Hollywood. Mas Kim Novak, a mulher dos meus sonhos, continuo a ter plena certeza que não almoçou nem jantou. Ou, sequer, chegou ao Café da Manhã…

Jorginho Guinle

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Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

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1 thought on “Jorginho Guinle e o tijolo. Por Antonio Contente

  1. A foto dele sentado, mostra mais sua baixa estatura, do que estando de pé. Pois ali se compara o tamanho do tronco com os das mulheres, que são maiores.

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