A colheita. Por Alexandre Henrique Santos
… O visto até agora ilustra para as brasileiras e brasileiros que escolheram a Democracia, que começamos a colher e seguiremos colhendo os frutos do que foi semeado nos últimos tempos. A Democracia ainda não venceu o Fascismo. A vitória da ampla coligação partidária que elegeu Lula representa apenas (sic) o primeiro passo dessa difícil maratona – o início do início do combate ao câncer da ignorância, da barbárie e do ódio…
“O plantio é opcional.
Mas a colheita é obrigatória!”
Adágio cármico indiano
A amiga me contou que no seu grupo do WhatsApp de ex-colegas de ginásio, cuja média de idade é 55 anos, reinava a harmonia. Embora o apreço da maior fatia dos membros pelo coiso fosse evidente, se evitava falar de política. Mas eleito Lula, o clima mudou. Explodiu a intolerância contra os que pensam diferente. O mediador escreveu um cuidadoso texto sugerindo a pacificação dos ânimos e o respeito pela escolha da maioria do povo brasileiro. Esse apelo ao bom senso e ao comedimento irritou ainda mais os sectários. Só por haver defendido a tolerância republicana, o membro democrata foi alvo de irados ataques que resultaram na sua exclusão da rede.
Fim da tarde do domingo da eleição e outra amiga me comunica seu desespero. Trato de acalmá-la lembrando que os primeiros votos revelados vinham de colégios eleitorais predominantemente inclinados a eleger a barbárie. Recordei a ela que embora todo segundo turno seja uma nova eleição, as pesquisas confiáveis favoreciam os progressistas. Após tanto estresse, finalizada a contagem dos votos, a Democracia tinha vencido o Fascismo. Mas a paz familiar durou pouco: o irmão da dita cuja telefonou para soltar cobras e lagartos, gritando que as urnas fraudulentas tinham roubado a vitória do mito!
Logo após a divulgação do escrutínio os extremistas mostraram suas garras. Já estava planejada a reação criminosa dos caminhoneiros – financiada por empresários antirrepublicanos igualmente criminosos. Com a aparente complacência dos agentes da Polícia Rodoviária Federal, obstruíram as artérias da economia e fizeram ressurgir os temores de sempre: do golpe, dos militares saudosos da ditadura, do assassinato de Lula etc. Essa estúpida postura de não aceitação da escolha da maioria pela via democrática foi uma tosca cópia xerox que o coiso e seus fanáticos fizeram do ídolo caído Donald Trump.
Creio que houve e há entre os votantes do coiso menos seguidores dele do que gente que detesta o PT. Quando busco descobrir as causas do sentimento antipetista tão extraordinário e avassalador, atribuo a principal responsabilidade aos grandes veículos de comunicação e seus patrocinadores. A Globo, o Estadão, a Folha, o SBT, a Bandeirante, a Record. Todos deram um tempo de exposição às acusações contra o PT mil vezes maior do que contra os desmandos de qualquer governo anterior.
O xerife Moro e a República de Curitiba constituem um caso clássico de construção midiática – nos jornais e nas TVs aparentavam ser os heróis que nunca foram. A discreta e silenciosa conivência da grande mídia para com a verba bilionária do Orçamento Secreto contrasta com as manchetes diárias do chamado mensalão – que movimentou apenas umas moedas se comparado com os valores pagos ao Centrão. De maneira que o triunfo da extrema-direita em 2018 resultou diretamente desse ódio que veio sendo plantado e regado com tanta intensidade e esmero.
Vale lembrar que mesmo diante dos casos de corrupção e erros dos governos petistas, Lula e Dilma não fizeram trocas sucessivas na direção da Polícia Federal, não escolheram um dócil aliado para a Procuradoria Geral da República e nem impuseram sigilo de 100 anos para questões sujas e explosivas.
O visto até agora ilustra para as brasileiras e brasileiros que escolheram a Democracia, que começamos a colher e seguiremos colhendo os frutos do que foi semeado nos últimos tempos. A Democracia ainda não venceu o Fascismo. A vitória da ampla coligação partidária que elegeu Lula representa apenas (sic) o primeiro passo dessa difícil maratona – o início do início do combate ao câncer da ignorância, da barbárie e do ódio.
Em Dover, Inglaterra, no domingo 30/10, um cidadão comum, de 65 anos, num estalar de dedos virou terrorista, e lançou três artefatos incendiários contra um centro de acolhimento de imigrantes. Vejo grande semelhança desse caso com os que estão acontecendo por aqui. Como o ar comprimido numa panela de pressão, o ódio plantado nos últimos anos pela propaganda extremista começou a ser extravasado. A fala do capetão de fuzilar petistas – entre outras muitas e variadas de idêntico teor violento e criminoso – foi replicada por seus seguidores, não como força de expressão, mas literalmente. São incontáveis os ataques de seguidores do capetão a eleitores do Lula.
Não há significativa diferença entre o ódio de Roberto Jefferson que recebeu a polícia à bala; e o ódio do empresário catarinense Willian Jaeger, preso em flagrante por tentativa de homicídio após agredir um agente da PRF com uma barra de ferro (o golpe foi na cabeça!) num ponto de bloqueio em Rio do Sul, em frente à loja da Havan.
Essa semeadura odienta é a mesma que faz o nazifascista Nelson Piquet dizer para o mundo, sorrindo, que gostaria de ver Lula no cemitério. O propósito homicida é exatamente o mesmo. Até pior, pois na condição de ídolo, de modelo de conduta, o tricampeão mundial de Fórmula 1 estimula e inspira os membros da seita – propaga aos quatro ventos seu pessoal e notório sentimento de ódio.
A História nos ensina que quando se planta vento, são robustas as chances de se colher tempestade. O ódio não nasce do nada e nem é exclusivo da direita ou da esquerda. Ninguém nasce odiando. Para que o ódio floresça alguém precisa plantá-lo – e esse plantio ocorre através dos comportamentos e opiniões referendados por líderes políticos e religiosos, por ídolos das artes e dos esportes, por pessoas que se destacam na sociedade. Em todas estas instâncias nós tivemos eloquentes e lamentáveis exemplos de intolerância, preconceito e violência. De um modo ou de outro nenhum de nós – nem a nação brasileira nem suas instituições – cortou o mal no nascedouro. Reagimos tarde! É triste e doloroso admitir, mas permitimos que se plantasse tanto ódio; e essa colheita é inevitável.
Por isso e apesar dos pesares, não estamos no momento de fazer concessões, indultos ou conceder perdão. A hora é de que prevaleça a justiça. A reunião e o apaziguamento duradouros do país só virão através do cumprimento das normas e práticas republicanas. As pessoas responsáveis por quaisquer atos e comportamentos violentos e antidemocráticos precisam ser identificadas, investigadas e julgadas com pleno direito de defesa. E se consideradas culpadas, devem ser condenadas com base na Lei.
A Democracia exige respeito e civilidade no trato entre cidadãs e cidadãos que pensam de modo diferente. O convívio pacífico e tolerante com a diversidade humana é o principal fundamento do Estado laico que queremos. Quem viver verá.
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*Alexandre Henrique Santos – Atua há mais de 30 anos na área do desenvolvimento humano como consultor, terapeuta e coach. Mora em Madri e realiza atendimentos e workshops presenciais e à distância. É meditante, vegano, ecologista. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes..
Acesse: www.quereres.com
Contato: alex@ndre.com.br
Com certeza, quem viver, verá! E sim, o plantio é opcional, mas a colheita é obrigatória: pela primeira vez concordo duplamente com você.
E estaremos por aqui a constatar toda essa explosão de democracia tolerante e benigna para com todos os seus concidadãos – ou ela se limitaria somente aos democratas?
A compaixão pelos que “erraram” teria vez? Atire a primeira pedra, caro Alexandre, atire.
A conferir.