Foi um rio que passou em nossa vida

Foi um rio que passou em nossa vida. Por José Horta Manzano

Discursos de Bolsonaro nunca foram sublimes. Do mato (queimado) não sai coelho mesmo. O pronunciamento de 1° de novembro talvez tenha sido o melhor de toda a carreira dele. Pronunciado no Dia de Todos os Santos, o discurso fez jus às bênçãos de toda a santidade celeste.

Foi um rio que passou em nossa vida

Depois da fala, muita gente passou 24 horas avaliando se, afinal, ele tinha ou não concedido a derrota. “Veja bem” – argumentaram uns – “me parece que esta passagem aqui é reconhecimento implícito disto ou daquilo”. “Pois eu já acho que aquela frase ali parece indicar que ele aceitou a derrota” – retrucaram outros.

Argumentar é bom, alimenta o espírito. Mas, no caso do capitão, me parece perda de tempo. Não vamos esquecer o principal: o resultado da eleição não depende da aceitação por parte do candidato derrotado. Que o lanterninha reconheça ou deixe de reconhecer que perdeu é irrelevante.

As normas de civilidade e cortesia recomendam que o perdedor reconheça publicamente a derrota e deseje boa sorte ao vencedor. Mas isso é apenas norma de civilidade, conceito que Bolsonaro desconhece. Ninguém pode dar o que não tem.

Eu disse que esse talvez tenha sido o melhor discurso da carreira do capitão. E explico por quê.

  • Ele não soltou palavrão. Nem unzinho. Vê-se que o pronunciamento veio abençoado por anjos e arcanjos.
  • O discurso foi breve – um afago na sensibilidade do distinto público.
  • Curiosamente, ele não apontou nenhum culpado pela derrota. É estranho para quem sempre se isentou de toda responsabilidade lançando sistematicamente a culpa em terceiros.
  • Contrariando seus hábitos, ele não atacou nenhuma instituição da República. Nem mesmo o STF, seu alvo preferido. Não lançou flechada sequer em direção ao ministro Alexandre de Moraes, seu bicho-papão.
  • A defesa de seu legado coube em dez palavras. Não houve menção às vacinas, às armas, à Amazônia e suas árvores que não queimam, aos chineses malvados, à esposa de Monsieur Macron, à Venezuela, à mídia golpista, à Globolixo, ao “meu” Exército. Tampouco falou da cloroquina.

A grande vitória do Brasil decente (e a grande derrota de um presidente indecente) ficou patente no fato de ele não ter atacado as urnas eletrônicas. Não fez sequer menção à sala secreta, às teclas coladas, aos ataques de piratas informáticos, aos mesários que votam em lugar de eleitores ausentes.

Custou, mas veio o primeiro discurso pacificado de Bolsonaro. Tirando rápida menção aos “métodos da esquerda”, afirmação um tanto deslocada, ninguém foi ofendido, nem atacado, nem humilhado, nem provocado, nem escarnecido. Tivessem todos os seus discursos sido nesse mesmo tom, mui provavelmente ele teria sido reeleito.

Dentro de pouco tempo, os bloqueios rodoviários promovidos por desocupados enrolados em bandeiras vão se encerrar. A transição, conduzida por um Lula conciliador e um Alckmin experiente, vai se desenvolver em ambiente cordial.

A partir de agora, o grande objetivo do capitão é conseguir algum tipo de salvo-conduto para si e para a família, uma espécie de habeas corpus preventivo, que lhes permita escapar à cadeia.

Dos processos, não fugirão; mas vão tentar escapar do camburão e da Papuda.

Se vão conseguir, ninguém sabe. Pode até ser que a Justiça deixe o capitão sair ileso, que é pra evitar transformá-lo num herói injustiçado – mas cacifado para voltar com mais força no futuro.

Quem viver, verá.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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2 thoughts on “Foi um rio que passou em nossa vida. Por José Horta Manzano

  1. Com tudo bem calculado e planejado o STF, por unção de Facchin e mais alguns colegas de toga, Lula renasceu para o bem geral da nação. “Diga ao povo que sou probo desde criancinha.”Era o único candidato com tudo e todos a seu favor capaz de derrotar Bolsonaro. No segundo turno Bolsonaro e seus apoiadores esqueceram o B a Ba que em boca fechada não entra mosca. E Lula sempre como o salvador da Democracia. Não sou bolsonarista, petista e nenhum ista. Cidadã desde 1982 à espera que o país saia desse marasmo populista e sempre em processo de um passo à frente e dois para trás. No ES serão 2 governadores desde 2002 até 2026: sempre os mesmos. Quantos estados e municípios nessa condição? Isso é democracia? Pensava que o princípio da democracia fosse a alternância de poder para o poder executivo da União até o município. Quantos coronéis milionários essa Democracia populista nos legou desde 1982? Ano da primeira eleição de governadores após a Ditadura Militar? Lula: “vou reconstruir o país”. Ele e seu grupo político vão devolver os bilhões rapinados e aplicar nos 19 bilhões do Fies? Nos 40.000 leitos fechados do SUS? No cultivo do cacau da Bahia e ES que nos anos 90 a vassoura de bruxa presenteada por petistas destruiu? Exemplos de Educação, saúde e agricultura que o petismo soube administrar.

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