Em busca de um autor. Por Antonio Contente

Em busca de um autor. Por Antonio Contente

… No papo, perguntou se eu seria capaz de escrever um livro igual aos produzidos pelo americano Harold Robbins, famoso autor de best sellers da época. Respondi que, certamente, não…

Em busca de um autor. Por Antonio Contente

No começo dos anos 60, numa Brasília vermelha de tanto barro, eu e ele batíamos bons papos num buteco bem vagabundinho. O camarada, mineiro, tinha chegado à cidade, ainda em construção, como peão; pegara em enxadas e carregara pedras, porém, na época, já era mestre de obras. Ficamos nos conhecendo porque, tendo ido à já nova capital fazer reportagem, ele me ajudou. Com um jipe incrível que, por enfrentar todo tipo de lama, me levava aos locais aos quais precisava chegar. Num janeiro altamente chuvoso, com o prédio do Congresso não totalmente pronto, eu precisava dar um pulo nas proximidades. Não fosse o velho veículo do meu amigo, quem sabe teria voltado para São Paulo no mesmo dia, sem a matéria.

 Nos anos seguintes, cruzei muitas vezes com o personagem. E, a cada encontro, não podia deixar de perceber que a figura melhorava de vida de forma fulminante. Tanto que nem me espantei, uns cinco anos depois, ao saber que montara  construtora própria.

Quando inaugurou a suntuosa mansão na qual passou a morar, no Lago Sul, fui à festa. Precisando sair cedo, pois tinha voo marcado para São Paulo, cheguei antes da maioria dos convidados. Como o anfitrião gostava muito de mim, ficamos conversando sozinhos, num canto, os uisquinhos na mesa.

         — Você já ouviu falar na família Benedict – ele, de repente, me perguntou.

         — Bom — tentei lembrar – confesso que não.

         — Sabe por que não lembra? – Respondeu – É que você não viu o filme “Assim Caminha a Humanidade”.

         — Mas vi – respondi.

         — Pois a família Benedict é aquela dos milionários do gado.

         — E por que diabo você tá lembrando disso agora?

         — É que – ele aponta para o imenso terreno, com vistosa piscina no meio – festa igual a essa que vou dar hoje, só quem já deu foram os Benedict da fita.

 Depois disso, passei bom tempo sem vê-lo. Porém, no dia de eleição do general Figueiredo pelo chamado Colégio Eleitoral, quando o que havia de mais expressivo na chamada Velha República se reuniu para um tremendo beija-mão no Hotel Nacional brasiliense, quem encontro? Claro, o nosso sorridente herói que acabara de abraçar o futuro ocupante do Palácio do Planalto.

         — Veio cumprimentar o homem? – Perguntou, ao me ver.

         — Não – respondi – sou jornalista, estou trabalhando.

         Nesse instante um garçom passava com uma bandeja crivada de copos com uísque e eu ameacei pegar um.

         — Não – o velho camarada segurou meu braço – esse não presta.

         Dito isto me arrastou para uma saleta reservada onde se encontravam vários ministeriáveis; a bebida servida era um belo scotch de 30 anos.

 Ainda mais adiante, o período militar terminado, ele me ligou no jornal dizendo que precisava falar comigo. Não sei se de brincadeira ou não, se dispôs até a mandar seu jatinho particular me pegar em Congonhas. Estalei um riso, respondi que precisava ir à Brasília na semana seguinte; e nos encontramos numa linda fazendola que ele possuía não muito longe da capital, em terras de Goiás. No papo, perguntou se eu seria capaz de escrever um livro igual aos produzidos pelo americano Harold Robbins, famoso autor de best sellers da época. Respondi que, certamente, não; e indaguei o motivo da indagação.

         — Olha – ele me falou, sério – acho que minha vida daria um romance daqueles.

         — Puxa – soprei, decepcionado – mas Harold Robbins? Não quer que eu fale com o Antonio Torres, um novo escritor que está surgindo (hoje é membro da Academia Brasileira de Letras), maravilhoso? Ele sim, poderá contar bem sua vida.

A resposta foi meio evasiva, e terminou por aí, pois suas leituras eram de autores como o gringo que citara.

Mas o fecho desta saga pintou talvez um ano depois. Na época, o lugar de preferência dos políticos e altos executivos para encontros, em São Paulo, era o restaurante do Hotel Ca’Doro, que, acho, nem existe mais. Pois fui lá para um contato de trabalho e, súbito, surpreendentemente, me surge o mineiro, que acabara de descer do apartamento onde estava hospedado. Imediatamente me arrastou, alegre com a surpresa, para um drinque de fim de tarde, e acabamos falando de muitas coisas, numa espécie de hora da saudade. De repente, encorajado pelos uísques, olhei bem para o antigo mestre de obras dos anos 50/ 60; e falei:

         — Sabe?, te conheço há muitos anos, porém há um troço que nunca te perguntei; mas, hoje, vou perguntar. Afinal de contas, como é que você ficou tão rico?

         — Bem – ele sorriu, balançando o gelo no copo – antes de mais nada, uma coisa posso te garantir: corrupto não sou, nunca fui.

         — Claro – me coloquei na defensiva – longe de mim insinuar isso.

         — Porém – o bom mineiro termina – dificilmente você conhecerá outro que seja, como eu, tão bom corruptor!

 Levantou, me deu um forte abraço, e foi para outra mesa, onde o esperava uma loura de oxigenados cabelos. Mais dourados, mais incrivelmente dourados do que um trigal maduro ao sol.

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Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

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1 thought on “Em busca de um autor. Por Antonio Contente

  1. O CORRUPTOR É O SUSTENTÁCULO DA CORRUPÇÃO SISTÊMICA, MANIQUEÍSTA E MANIPULADOR, SEDUZ/CORROMPE SEUS SEGUIDORES ÁVIDOS POR DINHEIRO, TORNANDO-OS SEUS DEPENDENTES PARA SE MANTEREM NO MUNDO DAS ILUSÕES….O CORRUPTOR TORNA-SE UM LÍDER POPULISTA COM APÊGO AO PODER E DINHEIRO, USANDO AS PALAVRAS/PRPOMESSAS E AS IMAGENS ATRAENTES QUE SATISFAZEM AOS QUE NÃO QUEREM PENSAR…RSRSRS

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