O primeiro voto. Blog do Mário Marinho
Era manhã quente do dia 7 de outubro de 1962.
Eu estava de terno azul marinho, gravata e não me sentia muito confortável na subida de um morro acentuado, em direção à Rua Pororocas, onde na Escola Municipal Cornelio Vaz de Melo, eu iria participar de minha primeira eleição.
Cerca de uns quinze dias antes da eleição havia recebido, pelo Correio, mensagem do Tribunal Regional Eleitoral comunicando que eu estava convocado para trabalhar nas eleições.
Não foi um convite, foi convocação.
A presença, portanto, era obrigatória. Se houvesse algum problema que tornasse impossível o comparecimento, comparecer ao TRE e fazer a comunicação.
O horário de comparecimento ao local de convocação era sete horas da manhã. Início dos trabalhos, às 8 em ponto.
Antes das seis horas me pai me acordou. Ele já tinha o café pronto na mesa.
Tomei um banho rápido e sentei-me à mesa.
– Com que roupa você vai?, perguntou-me ele.
– Esta mesmo, respondi apontando para roupa que estava vestido.
Ele me olhou firme e percebi logo que havia alguma coisa errada.
– Mário, votar é coisa séria. E se você for trabalhar além de votar, é mais sério ainda.
Não havia a menor possibilidade de discussão.
Assim, lá estava eu subindo em direção à escola Cornélio Vaz de Melo.
Cheguei à sala indicada e fique sabendo que fui o último a chegar.
Um sorridente e simpático senhor, de uns 50-60 anos se apresentou, perguntou o meu nome e fez as apresentações.
Em seguida, o presidente afirmou- solene – vamos começar os trabalhos. E passou a falar sobre eleições, sua seriedade e a seriedade do nosso trabalho.
– Um errinho e podemos ter nossa urna anulada. Vocês não vão querer isso, não é?
Não, ninguém queria.
Em seguida, fizemos as verificações e a urna colocada em nossa mesa estava realmente vazia.
Fomos os primeiros a votar.
Às oito em ponto, o solene presidente abriu solenemente a porta da sala e deu-se o início da votação.
O eleitor entrava na sala, exibia seu título ao primeiro mesário, que procurava em uma das pastas – separadas em ordem alfabética – a ficha do eleitor. Depois de feita a conferência das fotos, o eleitor era chamado a assinar a folha de votação e recebia as cédulas.
Nesta votação de 1982 foram eleitos representantes para o Senador (dois candidatos) e um candidato a deputado Federal. As duas eram rubricadas pelo presidente e os mesários no seu lado de fora.
Eleitor escrevia em uma das cédulas o nome do candidato ao Senado, na outra, o deputado. Analfabeto não votava.
Então o eleitor era encaminhado para a cabine indevassável, de pano roxo encobrindo sua frágil armação de madeira.
Dentro da cabine havia listagem completa de candidatos a senador e a deputado.
O processo era lento. Muitos dos eleitores não eram analfabetos uma vez que sabiam escrever o próprio nome. Mas, ler e escrever eram outros quinhentos.
Ao meio-dia a votação ficou mais tranquila. O presidente liberou para que dois mesários fossem se alimentar.
Como o movimento estava tranquilo, ele me chamou para uma conversa na sua mesa.
Perguntou onde eu trabalhava e qual o meu grau de instrução.
Respondi que estava no último ano do ginásio.
Ele pareceu satisfeito e continuou o interrogatório.
– Você sabe escrever uma ata?
– Claro.
– Você já fez alguma?
– Sim senhor, muitas.
– Estou te fazendo essas perguntas, pois quero que você seja o Secretário da Seção. Uma das tarefas do Secretário é elaborar a ata ao final da votação. A ata é um documento oficial muito importante que ficará registrada no TRE.
Eu era o mais novo da equipe, mas o presidente julgou que eu daria conta do recado.
A nossa zona de votação ficava no bairro Aparecida. Era uma região muito popular.
E lá deparamos com diversos problemas de entendimento, de desinformação etc.
Havia quase que uma resposta padrão quando mandávamos o eleitor assinar a ficha de votação.
– É o meu nome?
Alguns eleitores com mais dificuldade na leitura perguntavam como se escreve o nome do seu candidato. É evidente que não podíamos ajudar.
Outros diziam que o nome do candidato não estava na lista. Como sabíamos que estava, apontávamos para ele a localização do nome.
– Ah!, agora eu vi. Mas aquela lista lá não tinha.
Houve um caso bem característico.
Uma senhorinha entrou na cabine e nada de sair. Foi dado um prazo razoável e o presidente foi até perto da cabine e perguntou se havia problema.
A velhinha, já um pouco nervosa, reclamou:
– Essas letrinhas aqui são muito pequenas, não consigo enxergar. Acho que esses meus óculos já está véio!
Tentamos mostrando a outra lista, que era apenas uma cópia da outra.
Como não havia como ajudar, dentro dos padrões legais, o presidente sugeriu:
– A senhora já preencheu a cédula do senador. O jeito é ficar só com esse voto.
A velhinha ficou brava e não tinha acordo.
Até que o solene mas paciente presidente conseguiu convencê-la. Ela topou, mas deixou no ar forte ameaça.
– Eu queria votar no doutor Amintas de Barros para deputado. Ele foi um prefeito muito bom. Se ele perder por um voto o senhor vai ter comigo.
Dito isso, caminhou com seus passos trôpegos até a porta. Lá parou e voltou-se para mesa, apontando um dedo acusador.
– Se o doutor Amintas perder por um voto, Ocês tudo vai arder no inferno!
Para a salvação de nossas almas, o doutor Amintas foi eleito.
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Mário Marinho – É jornalista. É mineiro. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.
(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)
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Realnente são muittos casos registrados na memória , mas o melhor de tudo é se lembrar do fato com riqueza de detalhes , como vc o fêz. ..
Muito legal .