O último debate. Por José Horta Manzano
… Não perca tempo seguindo o debate de amanhã. Em vez disso, escolha um bom filme. Ou vá dormir cedo, que é excelente opção…
Os mais velhos talvez se lembrem da campanha para as presidenciais de 1989. O voto do primeiro turno eliminou 19 candidatos e deixou dois finalistas para o segundo turno: Lula e Collor. Poucos dias antes da votação final, as pesquisas mostravam os dois em empate técnico.
Foi nessa reta final que Collor deu o que uns consideram “golpe de mestre” enquanto outros julgam ter sido “golpe baixo”. O alagoano contou ao Brasil inteiro a história de uma filha que Lula tinha tido com uma namorada, fora do casamento. O petista teria incitado a gestante a abortar. Não sendo atendido, não reconheceu a menina.
Um calafrio percorreu a nação. Lula, fortemente abalado pela revelação, preferiu não reagir nem tocar no assunto por ocasião do último grande debate, levado ao ar a dois dias do segundo turno. Foi seu grande erro. O efeito da revelação foi fulminante. Praticamente todos os indecisos deram seu voto a Collor, que ganhou com 53% contra 47% de Lula.
É verdade que revelações de condutas desviantes – crimes, delitos ou até simples infidelidades conjugais – podem impactar o eleitorado e levar um candidato à derrota. Nestas presidenciais de 2022, muita gente receia que, durante o debate da Globo, seu candidato seja surpreendido por uma revelação desairosa, fique sem resposta e entregue os pontos (no sentido real da expressão).
Não acredito que isso possa acontecer. Não que os candidatos sejam anjinhos: se pudessem, nenhum deles hesitaria em pôr à mesa a louça suja do adversário para tentar afundar-lhe a candidatura. A razão de minha descrença é outra.
A atual campanha tem sido cruenta, suja, de baixo nível, rasteira, agressiva, mais acusatória que propositiva, violenta, intimidante. O distinto público já viu e ouviu de tudo. Os mais recentes projéteis que cruzam o ar zunindo se chamam “pintou um clima”, “pacto com o diabo”, “genocida”, “corrupto”, “fascista”, “comunista”. Entre as falsas e as verdadeiras, as acusações têm sido tão numerosas, tão frequentes e tão contundentes, que nada mais pode aparecer que impressione um público blasé.
Ainda que o candidato A trouxesse um filminho em que o candidato B trucidasse a própria mãe em praça pública na frente de cinquenta testemunhas, nem assim o efeito seria devastador. Os adeptos do candidato assassino dariam de ombros alegando tratar-se de vídeo forjado ou editado. E nenhum voto escorregaria.
Portanto, não perca tempo seguindo o debate de amanhã. Em vez disso, escolha um bom filme.
Ou vá dormir cedo, que é excelente opção.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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