E era o Robert Mitchum. Por Antonio Contente
… Cocei a ponta do nariz, ia mesmo dar meia volta e cair fora, mas, como já havia ingerido uns três ou quatro uísques, e Mitchum também bebericava um bourbon, busquei o tom mais humilde e apontei…
As surpresas, há quem diga, se escondem atrás das portas. Porém, muitas vezes estão bem na frente delas; apenas à espera de um olhar mais atento para a sacação. Isso tem acontecido comigo muitas vezes, especialmente na época em que fui repórter de jornal. É verdade que por ter sido convocado muito cedo para outras atividades dentro das redações, fiquei relativamente pouco tempo no chamado “reportariado”. Todavia, nele vivi momentos bem interessantes. Muito especialmente no episódio que conto agora, no qual a surpresa estalava ali. Quase escancarada na frente da porta.
Anos sessenta; eu estava, junto com vários colegas dos maiores jornais do Rio e S. Paulo, fazendo a cobertura, para O Globo, do Rio, de um importante simpósio que se realizava no lendário Hotel Fontainebleau, em Miami; que, aliás, foi várias vezes usado para cenário de filmes de Hollywood. Que me lembre agora, só com Jerry Lewis uns dois ou três.
Pois bem, após as sessões do evento que estávamos cobrindo, os jornalistas brasileiros se reuniam, no fim das tardes, para as “happy hours” num barzinho no térreo do hotel, não longe da piscina. Entre um scotch e outro de repente avistei, num cantinho discreto, escuro, iluminado por abajur, um camarada, de chapéu e óculos que pareciam de sol, a ler um livro, bebericando algo. Imediatamente segredei para o colega do Estadão:
— Tá vendo aquele sujeito ali? Tenho certeza que é o ator Robert Mitchum.
Para quem não sabe, na época o referido galã fazia sucesso tremendo, no mundo inteiro. E até, na ocasião, ainda repercutia intensamente um dos seus, na minha opinião, maiores filmes. Refiro-me ao clássico, dirigido por John Huston, “O Céu por Testemunha” (“Heaven Knows, Mr. Allison”). Tal película conta a história de um militar americano que, na época da II Guerra, no Pacífico, se vê, de repente, numa ilha deserta em companhia de linda freira, interpretada por Deborah Kerr. Quer ter uma transa com ela, e até argumenta que a coisa ficaria só entre eles, ninguém nunca saberia, dai o título da história em inglês, tirado de frase da religiosa: “Mas o céu saberá, senhor Allison”; este o era o nome do soldado. A bela película atraiu verdadeiras multidões aos cinemas de toda parte, inclusive no Brasil. Pois bem, com a quase certeza de que o cara que estava a ler era Robert Mitchum, o grupo resolveu que poderíamos tentar uma entrevista com ele. Mas surgiu o primeiro impasse: quem iria falar com o ídolo, tido como pessoa temperamental que não gostava de dar entrevistas? Resolvemos fazer rápido sorteio. E o escolhido para enfrentar a fera, a última coisa do mundo por mim desejada, fui eu.
Bom, agora ali estou de pé diante de um dos maiores atores do mundo, que logo interrompeu a leitura e fez cara meio medonha ao me ver. Rapidamente, com minha voz trêmula de alguém com apenas vinte e poucos anos de idade, expliquei o que o grupo de jornalistas brasileiros queria. A resposta foi seca, curta e grossa:
— Não sou de entrevistas.
Cocei a ponta do nariz, ia mesmo dar meia volta e cair fora, mas, como já havia ingerido uns três ou quatro uísques, e Mitchum também bebericava um bourbon, busquei o tom mais humilde e apontei:
— Mas essa você poderia dar, pois seu público no Brasil é imenso. E está vendo – aponto, chutando – aquele cara de camisa azul, o de bigodes? É o meu chefe no jornal. Quando vim falar com você ele me disse que se eu não conseguir essa porra dessa entrevista, voltando ao nosso país ele me fará perder o emprego.
Acho que Mitchum gostou de eu ter me referido à entrevista do jeito que me referi, tanto que deu um sorriso. Então, jogando o livro sobre a poltrona, disse:
— OK, chame os seus colegas. Vamos fazer essa porra dessa entrevista!
Assim foi que, logo, formamos uma roda em torno do ator e batemos um papo espetacular, ao fim do qual todos estavam de porre. Minha matéria rendeu página inteira do jornal e, ao fim e ao cabo, acabamos por descobrir que os rasgos temperamentais do astro eram apenas charme. Exalou conosco profunda e acariciante simpatia.
Mas o melhor ainda aconteceu no dia seguinte de manhã, quando acordei cedo e fui caminhar para transpirar a ressaca. Na saída do hotel dou de cara com Mitchum, que estava indo embora. Ao me ver, chamou e perguntou:
— Você sabe que livro eu estava lendo quando você foi me encher o saco para conseguir a entrevista?
— Não faço a menor ideia – respondi.
Então, ele abriu sua bolsa, retirou a brochura e me mostrou a capa: era “Grabriela, Clove and Cinnamon”, a versão em inglês de “Gabriela, Cravo de Canela”, de Jorge Amado. E Mitchum ainda acrescentou, antes de entrar no carro:
— Uma verdadeira maravilha…
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ANTONIO CONTENTE –
Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
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Antonio Contente, vc me fez recordar quando, há cerca de 30-40 anos, entrei numa agência da Varig, no centro de S.Luiz, MA e só havia um cliente antes de mim, porte atlético, alto/grisalho de óculos escuros, boné/ jeans, que saiu apressado e esqueceu a carteira no balcão após pegar os papéis/passagens das mãos do funcionário que o atendeu… Qd ele já estava na calçada, gritei “Hey, Jimmy!!!” ! Ele estacionou, deu uma curta paradinha e virou-se vendo-me segurar sua carteira que pegou sorrindo e agradecendo, ao que respondi ” Y Thank you, Mr. Flint !” pelo que ganhei mais um largo sorriso dele, talvez pelo meu inglês macarrônico…Naquela época, o ator James Coburn havia estrelado uma série de filmes como um espião, Flint, equiparável ao James Bond de Sean Connery….Tive um falecido irmão que vivia em S.Luiz, a quem eu visitava uma ou duas vezes/ano…Alí encontrei nos bares de praia várias celebridades, p. ex, Bob Marley, com quem tomei muitas cervejas até descobrir, através dele mesmo, que frequentava a capital maranhense para coletar as músicas de reggae que ele publicava como suas após compra-las adequadamente dos autores/compositores locais…rsrsrs
Querido Amigo, Confrade e Mestre Antônio Contente, admirável seu Talento Literário, de narrar uma passagem tão marcante da sua Vida de forma tão interessante, sempre com um final surpreendente, fecho d’ouro para suas sempre primorosas crônicas.