O Cardeal. Por José Paulo Cavalcanti Filho
A Igreja Católica segue no seu caminho de mudanças. E em 06/06/22, com a nova Constituição Apostólica Praedicate Evangelium (Pregar o Evangelho), substituindo a anterior de João Paulo II Pastor Bonus, foi criado um Dicastério para a Cultura e a Educação ‒ que vai reunir 1.360 universidades católicas, 487 outras universidades e 217 mil escolas, passando a ser responsável pelo diálogo entre a Igreja e o mundo da cultura. Essa nova entidade terá funções ocupadas, antes, por dois personagens poderosos na Cúria – os cardeais italianos Giuseppe Versaldi (Congregação para a Educação) e Gianfranco Ravasi (Pontifício do Conselho para a Cultura). Uma importante renovação, também, na velha burocracia romana.
Nomeado para ocupar a função de primeiro Prefeito (esse o nome do cargo) do Dicastério, agora em 26/09/22, foi o cardeal português José Tolentino Mendonça ‒ nascido em Machico, na Ilha da Madeira, em 15/12/1965. Mais novo de 5 irmãos, passou os primeiros anos em África (Angola), onde o pai era pescador. E teve, na Igreja, uma carreira estelar. Licenciado em teologia pela Universidade Católica Portuguesa (1989), padre pela diocese de Funchal (1990), Mestre em Ciências Bíblicas (1992), doutor em Teologia Bíblica (2001), primeiro Diretor da Conferência Episcopal Portuguesa (2004), nomeado por Bento XVI Consultor do Conselho Pontifício da Cultura (2011), professor no Seminário de Funchal e na Universidade Católica Portuguesa. Em 2018 foi pelo próprio papa Francisco convidado a conduzir seu retiro da Quaresma pregando para bispos, arcebispos e cardeais. Quando era só um padre. Já se percebia, desde esse tempo, que seu horizonte seria mais amplo.
Assim se deu, pouco depois (ainda em 2018), quando passou a responder pelos Arquivos Secretos da Igreja e pela Biblioteca Apostólica do Vaticano, a mais antiga do mundo. Em 17/04/20, foi nomeado membro da Congregação para a Evangelização dos Povos. E, em 30/04/22, da Congregação para a Causa dos Santos; tendo hoje, sob sua responsabilidade, a beatificação de Dom Helder (segundo ele, “um dos meus mitos na Igreja”). Em processo iniciado por carta, dirigida ao Vaticano, do arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido (em 27/05/14). E que já mereceu, no ano seguinte, parecer favorável ‒ quando nosso Dom querido passou a ser considerado Servo de Deus.
Mesmo com apenas 56 anos tem, afora outras línguas, já 49 livros publicados em português (primeiro deles uma seleção de poemas, Os Dias Contados, de 1990). Em artigos semanais na imprensa europeia se mostra, como definiu o jornal francês Aleteia, “um poeta tocado pela beleza do mundo, mas também um intelectual que tem clareza sobre os limites da cultura moderna”. Em textos que vão de Fernando Pessoa a Blaise Pascal, de Françoise Sagan à brasileira Clarice Lispector. Porque, segundo ele, “os escritores são muitas vezes importantes guias espirituais”. Já conquistou 13 prêmios literários, pelo mundo, entre os quais o Prêmio Europeu Helena Vaz da Silva (2020). Como diz, “a tradição cristã nos deu um conjunto de ingredientes claros, nos temas que nos levam a um diálogo com o mundo contemporâneo, pleno de contradição, mas também rico de inacreditáveis possibilidades”.
O Diário de Notícias (Lisboa) sustenta que ele “entra assim no restrito meio dos clérigos mais influentes da Igreja”. Sobretudo por ser uma escolha pessoal do atual papa. Para o francês Michel Cool, será seu “homem de confiança”. E continua sendo o que sempre foi, um homem (extremamente) discreto. Segundo a Revista Visão, “é agora um dos líderes da Cúria, órgão que administra a Igreja”. E, em palavras do mestre de Aveiro prof. António de Abreu Freire, “muitos comentam sem pudor que esta é uma indicação de Francisco para promover o seu sucessor”. Seria muito bom.
… Os amigos de Tolentino são mais modestos. Não querem que ele seja Jesus. Nem, muito menos, Deus. Para nós basta só que, um dia, ele seja Papa”. Quem sabe?…
Novidade propriamente não é. Que Portugal já teve antes um papa, João XXI (de 20/09/1276 até 20/05/1277). Nascido em Lisboa, Pedro Julião Rebolo era mais conhecido como Pedro Hispano. Seu maior legado foi uma tentativa de conciliação entre as grandes nações europeias. Hoje, corresponderia a conseguir convergência duradoura e estável entre todos os países, de alguma forma reproduzindo essa missão do passado. Um bom prenúncio que, como nunca dantes, precisamos de paz.
Num texto publicado em 27/08/22, no jornal português Expresso, O que faço eu do meu tempo?, disse: “Senhor, de todas as perguntas com que Tu me deixas, há uma que cresce dentro de mim, que fazes do teu tempo? Sabes, perco-me nas tarefas, nas voltas a dar, nesta e naquela responsabilidade, num imprevisto… E no meio disso tudo, confesso, o tempo da minha vida assemelha-se mais a uma fuga que a uma sementeira. Neste dia queria pedir-te luz, para o modo de viver e repartir o meu tempo. Ajuda-me a realizar o meu trabalho e o meu lazer, o meu esforço e a minha pausa como tempos de dádiva e encontro. Como tempos que sejam não apenas tempo, mas circulação de entusiasmo e afeto, circulação de vida. Peço-Te que a minha mão aberta se torne muitas vezes manjedoura”. Talvez esse tempo tenha chegado.
Nas celebrações de sua posse como cardeal, em 26/06/2018, convidou pessoas próximas para almoçar com ele, dia seguinte, no Vaticano. Bom lembrar que o Flamengo, então, era dirigido por um técnico português, Jorge de Jesus. Por isso preparei discurso que começava dizendo “No Brasil, hoje, Jesus é Deus. Os amigos de Tolentino são mais modestos. Não querem que ele seja Jesus. Nem, muito menos, Deus. Para nós basta só que, um dia, ele seja Papa”. Quem sabe?
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Estimado Zé Paulo: Sugiro que envie seus textos pelo “Chumbo Gordo “ para as duasTurmas 71. O Jornal limita publicação. Assim receberão na íntegra. Com Maria Lecticia, receba meu grande abraço. Vera.