Notas sobre o Primeiro Turno. Por Antônio Alves Sobrinho
… Neste primeiro turno fomos varridos por uma validação do pensamento conservador: nas Assembleias Legislativas, na Câmara Federal, no Senado e nos executivos estaduais. É esse problema que temos de superar se quisermos reduzir as diferenças neste país…
A ONDA QUE SE TORNOU MAR
O brasileiro é conservador? Essa é uma discussão para os sociólogos se ocuparem, mas, diante da pergunta, o brasileiro médio tende a dizer “não, não sou”, partindo para a argumentação:
* convivo muito bem com amigos gays no trabalho (nunca vou recebê-los em casa, nem tão pouco serão amigos dos meus filhos);
* mulheres empoderadas me fascinam (desde que não sejam a minha esposa e minhas filhas);
* sou um cristão ecumênico (mas, padre Lancelotti é comunista e xangozeiro tem parte com o demônio);
* somos todos iguais (e quem tem nível superior é mais igual) e não há diferenças de raça (porém, os negros não estão sabendo o próprio lugar).
Ora, em um cenário desses, o mar está sempre pra peixe e o avanço das conquistas de pautas renovadoras dos costumes (visibilidade gay, cidadania plena para negros, meu corpo/minhas regras) e da cidadania (acesso à terra, à propriedade urbana, aos direitos civis, tolerância religiosa) assustaram os falsos progressistas.
É a partir do segundo mandato de Dilma que a reação conservadora começa a se articular em torno da pauta de costumes, do neopentecostalismo e do desmonte das conquistas sociais e dos movimentos reivindicatórios de cidadania. A primeira vitória dos conservadores foi o golpe contra Dilma, que contou com a participação ou omissão dos partidos de centro esquerda (PSB, PSDB, PMDB…) e de centro. Tal ação ou omissão foi decisiva para o avanço da onda conservadora.
Não vamos esquecer o papel da mídia, que somou à pauta de costumes o combate à corrupção, como se ela própria não participasse sempre das falcatruas que envolvem concessões e propaganda governamental. Identifica-se corrupção com o PT (como se o restante dos partidos não fizesse parte do esquema). Restava encontrar alguém que encarnasse esses ideais de purificação e de moralização da Pátria, movimento já feito tantas vezes no passado.
Desde 2014 o capitão vinha sendo preparado para encarnar esse messianismo salvacionista através das redes sociais, usadas competentemente pelos conservadores para divulgar a imagem de alguém tratado como “mito”, no desembarque dos aeroportos e em aparições públicas. Um projeto publicitário para vender um “produto” capaz de limpar a corrupção e devolver a moralidade cristã ao seio da tradicional família brasileira.
O capitão reverberava as ideias de Silvio Frota, ministro de Geisel, que tentou impedir a abertura política; reproduzia o sentimento adormecido da parcela militar frustrada com os “descaminhos” da redemocratização. O capitão também falava aquilo que o neopentecostalismo queria ouvir; aquilo que os falsos progressistas tinham calado dentro de si.
Muitos democratas, por oportunismo ou cafajestismo, repetiam os mantras bolsonaristas e reclamavam da ” judicialização” da política. O STF passou a ser alvo de ataques e as manifestações de apoio ao mito, com pautas antidemocráticas se tornaram frequentes e com a presença do capitão.
Por mais que alguns democratas reagissem e buscassem socorro nas instituições, o aparelhamento dos órgãos limitadores e investigadores do Poder Executivo, impedia os desmandos do capitão. Nas lives, o presidente se dizia vítima de uma democracia corrompida, impedindo-o de fazer mais pelo povo. Nenhum democrata usava com a mesma competência as redes sociais para denunciar os desmandos, a corrupção e o perigo que o capitão representava para a democracia brasileira.
As eleições de 2022 repetiram a divisão das forças democráticas e a omissão delas em se contrapor as medidas eleitoreiras de concessão de aumentos e benefícios sociais, tomadas pelo capitão, em desrespeito à lei eleitoral. Além disso, a pregação da pauta de costumes, da anticorrupção, da defesa do cristianismo continuou firme e forte, sem que os democratas se fizessem presentes com a mesma competência nas redes sociais. Mesmo com a presença de Lula, o arrependimento da Rede Globo é a tentativa de unir os democratas, o tsunami se transformou em um mar de conservadorismo (além, claro, da compra de votos entre os mais pobres). Nossas instituições democráticas se mostraram incompetentes para se defender dos ataques fascistas; nossos democratas estão mais preocupados com seus próprios interesses do que com o futuro das instituições democráticas.
O segundo turno vai decidir nosso futuro democrático: reeleito, o capitão não terá limites no Congresso para implantar seu projeto fascista de poder; se vencedora a união democrática, teremos uma imensa dificuldade para governar e navegar nesse mar de conservadorismo.
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Antônio Alves Sobrinho é recifense, pernambucano, brasileiro, tem 71 anos, e é professor de Teoria da História e de História da Arte na Universidade Federal de Pernambuco
O Millôr já havia cantado a bola: o problema da democracia é que ela sempre acaba nas mãos dos democratas.
Muito bom Tom!! Parabéns!! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻