Das simples ilusões d’amor. Por Antonio Contente
… Como gostei do título, observei que as histórias d’amor com sabor das antigas acabam por se instalar na alma das pessoas de forma positiva. — Pois é – ele sorri levemente – só que não se trata de uma história antiga…
Ele é veterano jornalista, como eu; num desses papos matinais e ocasionais na padaria me disse, assim de repente, que gostaria de saber escrever sonetos. Meu primeiro impulso foi responder que eu também; todavia, me limitei a observar que tal tipo de poema é uma das mais difíceis formas de composição poética. E até acentuei que, mesmo tendo sido muito produzidos no passado, entre cada 100 dos milhares de sonetos escritos, aqui e em Portugal, pouco mais de meia dúzia chegam a ser realmente memoráveis, decoráveis.
Seguimos tomando nossos cafezinhos e comendo o “na chapa”, mas a pergunta já se instalara em minha cabeça. Baixando a xícara, murmurei:
— Mas vem cá, por que você gostaria de saber escrever sonetos?
— Ah – ele também dá o último gole – é uma longa história.
Como nesta altura do papo ocorreu uma empacada, falamos de outras coisas. Súbito, o amigo diz:
— Existe, na minha vida, uma especial mulher que eu nunca pude esquecer.
Ouvindo aquilo, dito com tanto sentimento, primeiro apenas pensei; depois disse que tal fato poderia, de fato, ser bom tema para um belo soneto. E até acentuei que a coisa colocada à sensibilidade de alguém do ramo, como foi o esplêndido poeta campineiro/mineiro Paranhos de Siqueira, por exemplo, certamente resultaria em algo que tocaria muitos corações.
Animando-se, de repente o outro me garantiu: apesar de não se sentir capaz de escrever, o que gostaria de produzir estava formatado em sua mente.
— O duro – geme – é colocar no papel…
Novamente, por instantes, calamos. Quem recomeçou fui eu:
— Bom, se o poema está em sua cabeça, certamente tem nome.
— Claro. Eu gostaria de chamá-lo “Uma vez mais, apenas”.
Como gostei do título, observei que as histórias d’amor com sabor das antigas acabam por se instalar na alma das pessoas de forma positiva.
— Pois é – ele sorri levemente – só que não se trata de uma história antiga.
— Olha, se você está apaixonado por guria muito mais nova do que você…
— Não, não, até que é mais nova sim, só que pouca coisa. Vivemos boa história, ela também está coroa, não tanto quanto eu mas coroa; só que não quer mais me ver.
— As coisas começam a se encaixar – finco os cotovelos no balcão – daí o título que você gostaria de dar ao poema.
Após concordar ele ergue as duas mãos num gesto meio teatral. E recita: “Queria te ver mais uma vez apenas”…
— Aí está – balanço a cabeça – me parece que é um jeito bastante bom de começar um soneto.
— É… Só que empaquei nisso…
Nessa altura resolvi dizer que achava bacana a vontade do amigo em rever a antiga mulher que não queria saber dele nem pintado de verde e amarelo. Daí, vou ao ponto:
— Será que não existe, digamos, maneira menos barroca de você conseguir o encontro que não seja com um tipo de poema que só Camões e poucos outros fizeram bem?
— Posso te falar a verdade?
Rapidamente colocou que, de fato, poderia ligar para a criatura. Dizer-lhe que gostaria de vê-la apenas mais uma vez, pois sentia que ficaram em sua mente e sua garganta várias coisas que amaria lhe ter dito e não disse. Só que também expôs o medo que sentia de, telefonando, ter a chamada devolvida ao seu ouvido com um desligar, na lata. Ponderei imediatamente que o mais provável é que isso não acontecesse, e que ele deveria ligar. Disse-me que iria pensar, pois soneto, que seria bom, não sairia mesmo.
Só reencontrei o poeta frustrado uns quatro dias depois, no Pão de Açúcar do Cambuí.
— Você tinha razão – ele foi logo dizendo – liguei pra ela, disse que gostaria de vê-la apenas mais uma vez.
— E ela topou?
Contou que topou, e que encontraram num barzinho com mesas na calçada, nas imediações da rua Sampainho.
— Foi bacana? – Pergunto.
— Talvez sim; porque finalmente diante dela, após ter até imaginado a história do soneto, descobri que, na verdade, não tinha absolutamente mais nada a lhe dizer.
— E ela pra você?
— Também…
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ANTONIO CONTENTE –
Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
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