Em louvor do voto inútil. Por Alexandre Schwartsman
… Não a assinei, nem pretendo fazê-lo, assim como não tenho a menor intenção de entregar meu voto, inútil, ao ex-presidente (muito menos ao atual, já adianto). E sequer é pelo lamentável programa econômico, cuja expressão mais recente só revela que nada esqueceram, nem aprenderam com os erros que levaram o país a uma das piores recessões dos últimos 50 anos…
PUBLICADO ORIGINALMENTE NA FOLHA DE S. PAULO, EDIÇÃO DE 30 DE SETEMBRO DE 2022
Colegas economistas, a quem respeito, discordam das propostas do PT, mas mesmo assim lançaram recentemente uma carta de apoio ao dito “voto útil” em Luis Inácio Lula da Silva. Não a assinei, nem pretendo fazê-lo, assim como não tenho a menor intenção de entregar meu voto, inútil, ao ex-presidente (muito menos ao atual, já adianto).
E sequer é pelo lamentável programa econômico, cuja expressão mais recente só revela que nada esqueceram, nem aprenderam com os erros que levaram o país a uma das piores recessões dos últimos 50 anos, ainda atribuída às “pautas-bomba” e outras atividades paranormais. Por pior que seja, não é, nem de longe, o motivo da minha recusa.
Não votarei em Lula no primeiro turno, tampouco, se houver, no segundo, porque não estou minimamente convencido das credenciais democráticas do PT, como, inclusive, tive a oportunidade de escrever há cerca de quatro anos, sob circunstâncias não muito distintas das atuais.
No que diz respeito à liberdade de expressão, trata-se do partido que ainda propõe o “controle social da mídia”. Ainda que muitas interpretações possam caber em tal rótulo, deixo aqui a utilizada por Lula há cerca de um ano: “Eu vi como a imprensa destruía o Chávez. Aqui eu vi o que foi feito comigo. Nós vamos ter um compromisso público de que vamos fazer um novo marco regulatório dos meios de comunicação”. Quem quiser que se (auto) engane, mas, não resta dúvida que o propósito da coisa é impedir que a “imprensa destrua o governo”. Super democrático.
A propósito, órgãos de imprensa que criticavam o governo petista foram devidamente rotulados como Partido da Imprensa Golpista por jornalistas a soldo do partido. Ah, e também por deputados do PT, como Emiliano José, em texto devidamente divulgado pela Fundação Perseu Abramo. Da mesma forma que as redes bolsonaristas de hoje, a militância digital da época atacava com gosto a imprensa, ou melhor, “a grande mídia”.
Aliás, se a questão é o assédio a jornalistas, militantes do partido têm o que contar, como a violência verbal sofrida por Miriam Leitão em 2017. Em nota oficial, o partido disse lamentar o ocorrido, afirmando, porém, que: “Não podemos (…) deixar de ressaltar que a Rede Globo, empresa para a qual trabalha a jornalista Miriam Leitão, é, em grande medida, responsável pelo clima de radicalização e até de ódio por que passa o Brasil”. Quem mandou a Miriam trabalhar para a Globo, né?
Se a defesa da liberdade de expressão se limita apenas aos interesses do partido, o respeito às instituições não chega mais longe. Por exemplo, em 2018 o então deputado Wadih Damous defendeu o fechamento do STF (lembra alguém?), centrando fogo, vejam só, no ministro Luiz Roberto Barroso, afirmando: “não foi para isto que esta turma foi colocada lá”, e, continuando, “ou nós enquadramos essa turma ou essa turma vai enterrar de vez a democracia”.
Em sua “autocrítica” oficial, partido lamentou apenas: (a) “priorizar ‘o pacto pluriclassista’ que permitiu a vitória de Lula em 2002; (b) “não ‘impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público’”; (c) não “modificar os currículos das academias militares e de promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista”; e (d) não “redimensionar sensivelmente a distribuição de verbas publicitárias para os monopólios da informação (sic)”.
Dito de outra forma, se algum arrependimento houve foi o de não avançar no aparelhamento das instituições de estado a favor dos interesses do partido, um primor de compromisso democrático.
E, finalizando, não nos esqueçamos do “mensalão”. Sei bem que hoje isto é considerado café pequeno perto do orçamento secreto, mas continuo sem entender como um erro justifica outro. O partido nada viu de censurável em corromper o Congresso para se manter no poder, tanto que repetiu a dose com o “petrolão”.
Faço questão que meu voto vá pra quem tem comprometimento com a democracia, o que, de cara, exclui os dois líderes das pesquisas. Pode ser inútil, mas dormirei bem à noite.
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* ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com
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Concordo em gênero, número e grau!
Texto primoroso, assino junto e compartilho.
Exatamente. Não votarei nem na Besta nem no Falso Profeta (não sei exatamente quem é quem); quando as profecias começarem acontecer, estarei orando com a consciência limpa.