nome da rosa

Tommaso Buscetta

O nome da rosa. Por Antonio Contente

… o fora da lei peninsular, que morreu faz tempo, ficou famosíssimo no Brasil certamente muito menos por sua atuação no mundo do crime do que pelo sonoro sobrenome que ostentava. Quando os jornais brasileiros imprimiram pela primeira vez sua ficha completa corria os anos setenta…

nome da rosa
Tommaso Buscetta – prisão, no Brasil

Para falar a verdade, não fosse pequena notícia que li sobre ele em jornal, eu nem sabia que o ótimo diretor de filmes memoráveis de uma das épocas de ouro do cinema italiano ainda estava vivo. Refiro-me a Marco Bellocchio que, ao longo dos 83 anos que agora ostenta, atuou atrás das câmeras em películas inesquecíveis como “De Punhos Cerrados”, “Vincere”, “Diabo no Corpo”, “Bom Dia, Noite” e por aí vai. Mas lembro disso agora porque o importante regente, faz aí algo como uns cinco anos, esteve no Rio de Janeiro a trabalhar em uma película. A obra, pelo que se noticiou à época, colocaria nas telas do mundo lances da vida do mafioso Tomaso Buscetta; seu titulo, se não me engano, seria “O Traidor”. O criminoso gerou muitas manchetes ao transitar com estardalhaço pelo nosso país, onde foi preso. Já lá se vão mais de duas dezenas de anos, coisa do século passado.

Ora, amigos, vamos falar a verdade, o fora da lei peninsular, que morreu faz tempo, ficou famosíssimo no Brasil certamente muito menos por sua atuação no mundo do crime do que pelo sonoro sobrenome que ostentava. Quando os jornais brasileiros imprimiram pela primeira vez sua ficha completa corria os anos setenta; e, tenham certeza, não houve uma só pessoa, do Oiapoque ao Chuí, que não tomasse um baita susto. A conter, dependendo das circunstâncias, ataques de riso.

Na época eu trabalhava na Folha de S. Paulo, mas fui emprestado para a redação da Última Hora, que a empresa dos Frias tentou relançar. E nunca esquecerei da tarde em que, ao entrar no local de trabalho topei com os colegas excitadíssimos diante das jornalistas mulheres. Com um deles se dirigindo a uma delas:

         — Como é mesmo o nome dele, Tomaso o que?

Bom, mas estabelecido o clima de curiosidade impagável, o que se passou, imediatamente, a especular, é como agiriam os dois locutores do Jornal Nacional, da Globo, que tinha uma audiência acachapante, para se referir ao detido membro da Cosa Nostra. E nosso clima de curiosidade foi tão grande que, na hora em que o noticiário ia ao ar, às 20 horas naquele tempo, a redação inteira foi para a sala do editor Samuel Wainer, onde ficava a TV; para sacar como se comportariam Cid Moreira e Sérgio Chapelin no instante de narrar a prisão do mafioso. E todo mundo, afinal, acabou caindo numa gargalhada em coro, quando o sisudo locutor começou:

         — Foi preso hoje, em Santa Catarina, o gangster italiano Tomaso Buskêta…

Está claro que a falseta da emissora de maior audiência no país, querendo mascarar algo que não deveria ser mascarado, excitou ainda mais a turma de gozadores. Houve um momento, naquela época, em que nos chamados lugares públicos de São Paulo um dos assuntos prediletos era o sobrenome de dom Tomasino, jeito carinhoso pelo qual o safardana era tratado pelos íntimos. Se havia mulher por perto, então, a coisa ganhava contornos exuberantes a excitar os que gostam de gracinhas. Um amigo me contou que, no escritório em que trabalhava, recortes dos jornais do dia falando de Buscetta eram xerocados e colocados sobre as mesas das meninas. E, quando elas pegavam para ler, todos ficavam atentos na esperança de alguma vermelhidão. Ao que se saiba, nunca nenhuma ficou corada.

Uma das reações mais interessantes sobre o tema eu mesmo presenciei quando fui jantar na casa de um colega de jornal que morava com a avó, senhora quatrocentona, oitentona, muito rica. A mansão, que certamente não existe mais, ficava numa das tranquilas e bem arborizadas ruas de Higienópolis. Como estávamos numa noite de inverno, e, naquela época, ainda ocorriam frios siberianos em São Paulo, até a lareira se encontrava acesa. A rapaziada ficou numa linda sala com bom vinho a correr e, como era de se esperar, o assunto caiu na prisão do mafioso que ostentava o sobrenome que vinha mexendo, de forma inapelável, com os sensos de humor e curiosidade de quase todo mundo. A dona da casa se encontrava não muito distante, sentada numa confortável cadeira, olhando para o nada a folhear, de vez em quando, um livro. De repente chamou o neto jornalista e perguntou sobre o que estávamos conversando. Justificou a curiosidade pelo fato da turma estar a rir muito. O jovem, meio embaraçado, primeiro coçou a ponta do nariz. Depois, foi à mesa, pegou o jornal do dia e trouxe para a avó, dizendo:

         — Estamos falando sobre isso aqui. – Apontou a matéria – Para saber do que se trata, só a senhora lendo.

 Disse e se afastou. Sendo, contudo, chamado algum tempo depois, quando a matriarca acabara de ler. Ela olhou muito séria para o neto e, tranquilamente, disse:

         — Li a reportagem.

         — E então? – O rapaz levantou as sobrancelhas.

         — Bom – ela se limita a apontar para a página do jornal – o sobrenome desse senhor Tomaso é esse mesmo que está escrito aqui, ou se trata apenas de mais uma liberalidade pornográfica que os jornais modernos deram de publicar?…

___________________________________________________

Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

___________________________________________________________________

3 thoughts on “O nome da rosa. Por Antonio Contente

  1. ANTONIO CONTENTE …. COMO GOSTO DE LER VOCÊ !!!!! CRIAÇÕES INESGOTÁVEIS E CAMINHOS INEXPLORADOS… HUMOR QUE NOS DEIXA EM DÚVIDA, ATÉ QUE A REALIDADE DO TEXTO CAIA NA NOSSA CABEÇA . AS VEZES, DOI, MAS NÃO MACHUCA. AINDA BEM QUE NÃO DEIXA CICATRIZES… VOCÊ ESCREVE, COMO SE PLANTASSE UM BAOBÁ NO MEIO DA PRAÇA… A GENTE SE CONFUNDE COM O SONHO QUE ATINGE A REALIDADE COMO UM RAIO QUE BROTA DA SUA IMAGINAÇÃO . PURA POESIA . SEI LÁ, SE TEM RIMAS, OU FALSETES, OU PINCELADAS DE CORES QUE NASCEM DO NADA. ANTONIO, A GENTE FICA ASSIM, QUANDO LÊ VOCÊ : MEIO DESVAIRADA … MAS, CONTENTE !!!!!!!!!!

  2. Na escola em que eu trabalhava coomo Professor de Filosofia da Educação, o humor corria por conta das alunas do turno da noite. Cerca de mil alunas, todas adultas, mães solteiras, viúvas ainda novas, divorciadas, abandonadas pelos maridoss ou companheiros. Foram ao colégio para estudar e se formar como professoras. Na primeira página do Jornal “O Liberal” estava escirita a mancherte: Preso o italiano mafioso Tomasino Buscêta. Uma das alunos trouxera para a sala de aula o jornal e mostrava para as colegas: – Olha mana, como os italianos chamam a periquita… Todas correram para ver, e a gargalhada soou no pátio da escola. Corri para ver do que se trataca. A causa de tanta gargalhada era o nome do mafdioso italiano.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter