conversas de 1/2 minuto

Conversas de 1/2 minuto (23). Por José Paulo Cavalcanti Filho

conversas de 1/2 minutoMais conversas, hoje só com políticos, em livro que estou escrevendo (título da coluna).

 AGAMENON MAGALHÃES, governador de Pernambuco. Tinha um jeito próprio de administrar, no Campo das Princesas. Primeiro, lia os processos que chegavam. Todos. E, depois, mandava à Procuradoria, sempre com um desses três despachos:

  1. Para Parecer.
  2. Defiro, de acordo com o Parecer.
  3. Nego, de acordo com o Parecer.

E ai do procurador que não rezasse por sua cartilha.

Coronel CHICO HERÁCLIO, de Limoeiro (que nunca foi militar). Naquele tempo mandava, na sua terra, sem nenhum limite. Um dos protegidos que tinha foi se queixar

‒ Aluguei casa, coronel, o contrato acabou e o locatário não quer  devolver.

‒ Deixe comigo.

Dia seguinte Minervino, pistoleiro com muitas mortes nas costas, bate na porta da tal casa.

‒ Estou sem ter onde morar e o coronel disse que podia ficar aqui.

Entrou, tirou a roupa e ficou, na sala, só de cuecas. Além do seu 38, na cintura. Quando tinha fome, ia na cozinha. Sem pagar nada, claro, tudo por conta do tal locatário. Dormia na sala, vendo televisão. E a família presa, nos quartos, com medo de levar tiro. Dois dias depois, acabaram todos indo embora. E o professor Vilaça (pai de Marcos), que era seu Primeiro Ministro, contou essa história feliz. Por não ter sido necessário usar de violência (assim entendeu), nesse caso.

CRAVEIRO LOPES, presidente de Portugal. O general Óscar Carmona, candidato único, foi eleito presidente em 16/11/1926. Com 100% dos votos – sem brancos, nulos ou abstenções, ditadura tem disso. Morto em 18/04/1951 acabou substituído, em 21/06 deste ano, pelo general Francisco Craveiro Lopes, que logo passou a conversar com a oposição na busca por convergências. O que desagradou Salazar. Tanto que não permitiu fosse candidato, na eleição seguinte (a do almirante Américo Thomáz). Até se contava, por lá, essa piada. Quando o presidente JK tossiu e perguntou, a Craveiro, se podia emprestar um lenço. Resposta, “Desculpe, mas esse lenço é o único lugar onde hoje em dia posso meter o nariz” (que Salazar não mais permitia interferisse no governo).

Era um homem sério. Que jamais aceitou vantagens. Presentes recebidos acabavam, todos, transferidos ao Estado ou doados a obras de caridade. Lembro apenas um caso, entre tantos, para o definir. Seu filho Nuno e a mulher sofreram acidente de trem no farol de Caxias, próximo a Lisboa. Ligou ao pai, dizendo que estavam bem e pedindo auxílio para voltar à casa. Craveiro disse que só faria isso caso pudesse mandar um veículo a cada passageiro. E sugeriu procurar taxi. Assim era. Visitou o Brasil e no Rio, em 09/06/1957, esteve na Academia Brasileira de Letras. O presidente da ABL, Austregéliso de Athayde, pediu a Manuel Bandeira que lhe fizesse a saudação. Sem avisar, era um hábito seu. Ocorre que Bandeira desprezava a Ditadura de Salazar. Até subscreveu, nos anos 1940, um Manifesto de intelectuais brasileiros contra ele. E lembrou, na hora, um poema de Pessoa (Salazar), firmado pelo heterônimo Um Sonhador Nostálgico do Abatimento e da Decadência – o nome vem de palavras pronunciadas por Salazar no discurso de saudação aos participantes do concurso literário de que participou Pessoa com Mensagem. Dizia:

Este senhor Salazar

É feito de sal e azar.

Se um dia chove,

A água dissolve

O sal,

E sob o céu

Fica só azar, é natural.

Oh, com os diabos!

Parece que já choveu…

E o saudou com essas duas quadrinhas:

– Craveiro dê-me uma rosa

Mas não qualquer, general

Que eu quero, Craveiro, a rosa

Mais linda de Portugal

Não me dês rosas de sal,

Nem me dês rosas de azar

Não me dês Craveiro rosa

Dos jardins de Salazar.

* * *

Na sequência da viagem, Craveiro visitou Manaus e Belém. Até chegar ao Recife, de onde voltou para Portugal. Aqui, em 24/06/1957, o general e sua mulher, Berta (da Costa Ribeiro Arthur) Lopes, foram recebidos em jantar no Palácio do Campo das Princesas. Entre convidados o presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek. E Cid Feijó Sampaio; que, poucos meses depois, seria eleito governador de Pernambuco. Dando-se então diálogo que fez sucesso, nos jornais locais. Quando sua mulher, dona Dulce, impressionada com o belo colar da portuguesa, e só por querer ser simpática, perguntou

– Diamante?

E dona Berta

– De amante? Não, senhora, de Craveiro.

FERNANDO LYRA, ministro de Justiça. Véspera da posse que seria de Tancredo, chegamos no aeroporto de Brasília e a Polícia Federal me esperava (fora da programação).

– O ministro (Lyra) pediu para ir direto ao gabinete de Dorneles.

Maria Lectícia e os pais dela, dona do Carmo e dr. Armando, foram para o hotel; e, eu, para a Esplanada. Francisco Dorneles era sobrinho de Tancredo, futuro ministro da Economia e homem forte do seu governo. Perplexidade no ar, pelas incertezas do momento. Na sala de espera se amontoavam assessores, militares, quase todos os futuros ministros. O baiano Carlos Santana (da Saúde) ficava olhando só para o alto, imóvel, como se estivesse congelado. O gaúcho Pedro Simon (da Agricultura) rodava em volta dele mesmo, como um peru, sem parar. Fernando veio conversar

– Vai assumir Ulysses (Guimarães), como presidente da Câmara dos Deputados.

– Não pode, Fernando (como a doença de Tancredo era pública, já tinha examinado as questões jurídicas). O vice (Sarney) presta compromisso, perante o Congresso. Tancredo não, que está no hospital e tem 10 dias para isso. Ainda mais, por haver “motivo de força maior” (Constituição da época, art. 78). O Congresso declara momentaneamente vago, seu cargo, e assume o vice. Esse é o caminho.

– Mas assume Ulysses.

– Então pode escolher outro para meu lugar, amigo. Que nosso primeiro gesto, no ministério, seria uma ilegalidade. E não farei parte disso.

Algum tempo depois, Dorneles chamou cinco ou seis para reunião na sala dele (já com muitos outros personagens, por lá). O resto ficou onde estava. Na saída, Fernando contou como foi. Dorneles

– Afonso Arinos disse haver um antecedente, com Rodrigo Alves; que, doente, assumiu seu vice Delfim Moreira. Brossard e Saulo Ramos defendem a mesma tese. Fosse pouco, o próprio Ulisses prefere Sarney, repetindo sempre “é isso que a Constituição manda”. E Leitão de Abreu (que coordenava a transição por João Figueiredo, último presidente militar) garante que Sarney assumirá sem contestações.

O futuro ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, pediu a palavra. Era comandante do 3º Exército e contava com apoio de parte expressiva das Forças Armadas. Mostrou uma Constituição cinza, edição de bolso (quem viveu em Brasília, naquele tempo, sabe qual era) e falou

– Devemos seguir o que diz esse livrinho.

Fernando

– Meu Secretário Geral também diz que assume Sarney, como vice. E nem vai ficar no cargo, se a gente escolher Ulysses.

Muitos outros confirmaram esse entendimento. E Leônidas, depois de dar um tapa forte na mesa,

– Então está resolvido. Assume Sarney. Alguém é contra?

Silêncio na sala.

– E não se fala mais nisso.

Ninguém teve disposição, ou coragem, para contradizer. A palavra das forças armadas, numa hora dessas, é forte. Mais tarde, já na casa de Sarney, a transição seria sacramentada em ata por todos assinada. Foi assim.

JACOB TUMAJAN, campeão pernambucano de xadrez. Homem de bem, e liso, em 1958 decidiu começar carreira política por baixo. Como candidato a vereador. Sem dinheiro para propaganda, inventou de usar para isso a (antiga) ponte do Pina – que tinha um quilômetro, com postes plantados sobre 20 colunas, a cada 50 metros. Comprou tinta branca e pincel, disposto a pintar seu nome naquelas benditas 20 colunas. Para apresentar, ao povo do Recife, suas muitas qualificações. E já foi escrevendo, na primeira,

– Tumajan é trabalhador.

Na segunda

– Tumajan é honesto.

E por aí foi, numa tarefa penosa por falta de adjetivos disponíveis.

– Tumajan é honrado.

– Tumajan é probo.

– Tumajan é ínclito.

Assim ocorreu até as 4 da madrugada, quando acabaram tinta e paciência do candidato. Foi dormir, cansado e feliz. Faltavam só duas colunas. Manhãzinha, completaria o serviço. Não contava é que um opositor desalmado acabasse fazendo esse trabalho por ele. E dito ser malévolo escreveu, na penúltima,

– Enfim…

Com três pontinhos e tudo. Fechando a série com a conclusão lógica de tantos atributos,

– Tumajan é foda.

A maldade anda solta nesse mundão perverso, meus senhores. Nosso candidato, coitado, virou chacota. E acabou perdendo a eleição.

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José Paulo Cavalcanti FilhoÉ advogado, escritor,  e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife. Eleito para a Academia Brasileira de Letras, cadeira 39.

jp@jpc.com.br

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