Se acabou. Por José Horta Manzano
… O ritmo estava entre o baião e a marchinha de carnaval. Acompanhamento singelo, harmonia básica e uma voz masculina suave. Prestei atenção na letra. Dizia:
Se acabou, fora Bolsonaro!
Se acabou, fora capitão! …
Hoje, logo depois do almoço, estava eu tranquilamente na cozinha pondo ordem em panelas, pratos e talheres. Observe-se que deste lado do mundo, pra pagar serviçais, precisa ser abastado. O rei da Inglaterra, por exemplo, com os bilhões que já tem mais outros tantos que acaba de herdar, tem quem lhe arrume a cozinha. Eu não tenho.
O rádio estava ligado. O locutor comentava das algas que infestam os grandes lagos pré-alpinos. E continuava falando de algas comestíveis, que alguns gostam de misturar na salada. Eu ouvia sem escutar, que o assunto não era lá tão interessante. Eis senão quando, entra um intervalo musical. E a música me pareceu familiar.
O ritmo estava entre o baião e a marchinha de carnaval. Acompanhamento singelo, harmonia básica e uma voz masculina suave. Prestei atenção na letra. Dizia:
Se acabou, fora Bolsonaro!
Se acabou, fora capitão!
Em seguida falava em galo, galinha, periquito, carcará e toda a animália que pode caber numa letra de música. A imagem era de a bicharada toda estar comemorando a despedida do capitão. E voltava o refrão:
Se acabou, fora Bolsonaro!
Se acabou, fora capitão!
Pensei: “Puxa, será que o horário de propaganda eleitoral gratuita chegou até aqui?” Logo me dei conta de que a ideia era absurda. Que tolice!
Cogitei então que os candidatos de oposição a Bolsonaro tivessem feito uma vaquinha pra inserir um anúncio pago na rádio pública suíça. Cheguei logo à conclusão de que a ideia não fazia sentido. É verdade que a colônia tem aumentado e que somos hoje dezenas de milhares de conterrâneos no país; assim mesmo, não dá um contingente em que valha a pena investir.
Em seguida, pensei em mais uma explicação para o fato de a rádio suíça estar tocando uma musiquinha anti-bolsonarista às vésperas da eleição brasileira. Certamente estão dando a contribuição que está ao alcance deles para abrir os olhos dos eleitores brasileiros que ainda teimam em mantê-los fechados.
Não acredito que funcione. Ninguém consegue ensinar uma avestruz a desenterrar a cabeça da areia. Assim mesmo, fico grato aos serviços públicos de radiodifusão do país pela boa vontade.
O autor
O locutor descreveu a musiquinha como “Sê acabú” cantada por “Joaô Sellvá”. Traduzi: Se acabou, por João Selva.
Nunca tinha ouvido falar nesse artista. Fui pesquisar e fiquei sabendo que se trata de um carioca que se casou com uma moça de Guadalupe (ilha francesa do Caribe) e se estabeleceu na França há alguns anos. Não sei se é conhecido no Brasil, mas em seu país de adoção lança discos, participa de festivais e se apresenta em programas de rádio.
Se você quiser ouvir um trechinho, está aqui no Youtube.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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Não, ainda não “se acabou”: trocar seis por meia dúzia de qualidade tão deletéria só perpetua nosso sofrimento.
Nem, nem outro.
Tenente, por favor! Tenente velho se quiser, mas Tenente!