O ministério inglês e o nosso. Por José Horta Manzano
…assim que Ms. Truss anunciou seu ministério, ficou flagrante uma mudança de época. Foi-se o tempo em que bastava ser um homem branco para ter certeza de subir com facilidade os degraus do poder…
Nestes dias de bicentenário da independência, a desfaçatez ostentatória do capitão tem ocupado todo o espaço midiático. É como um Carnaval fora de época: tudo o que não for coberto de paetês e lantejoulas vira nota de rodapé.
Talvez o distinto leitor tenha vagamente tomado conhecimento da troca de primeiros-ministros no Reino Unido, onde Boris Johnson cedeu seu lugar a Liz Truss. Em princípio, não é esperado nenhum terremoto na política do país, visto que o governo continua nas mãos do Partido Conservador.
No entanto, assim que Ms. Truss anunciou seu ministério, ficou flagrante uma mudança de época. Foi-se o tempo em que bastava ser um homem branco para ter certeza de subir com facilidade os degraus do poder, deixando eventuais concorrentes a comer poeira. Pra começo de conversa, a primeira-ministra é uma mulher. Não é a primeira, mas, antes dela, só duas outras haviam ocupado esse cargo: Margaret Thatcher e Theresa May.
Pela primeira vez na história, entre os membros mais importantes do gabinete, nenhum se enquadra no padrão tradicional “male & pale” – de sexo masculino e pele clara. Os sete principais são: Kwasi Kwarteng, Suella Braverman, Thérèse Coffey, James Cleverly, Nadhim Zahawi, Kemi Badenoch e Ranil Jayawardena. Com uma única exceção, todos eles são cidadãos britânicos oriundos de imigração recente. Não têm a pele, o cabelo nem os olhos claros que a gente costuma atribuir aos anglo-saxões.
A composição do gabinete não é fruto de um capricho da nova chefe de governo. Entre os oito que concorreram ao cargo de primeiro-ministro, quatro eram mulheres enquanto os outros quatro eram homens descendentes de imigrantes. Esses cidadãos não se filiaram ao Partido Conservador por acaso; são apoiadores fervorosos do Brexit e de pautas liberais. A composição do novo governo é a prova de que a Grã-Bretanha teve sucesso na integração de imigrantes das antigas colônias. Em apenas meio século, descendentes de povos exóticos conquistaram o status de cidadãos britânicos como os demais.
…Nos ministérios de Brasília, encontrar uma mulher é coisa rara; um mestiço, então, mais raro ainda. No quesito representatividade dos variados estratos de nossa população, permanecemos fincados nos tempos coloniais…
Esse arco-íris ministerial de peles alvas e escuras, de tipos escandinavos e paquistaneses, de olhos cuja cor varia entre a água-marinha e o negro profundo é único na Europa, quiçá no mundo. Na França, que também recebeu correntes de imigração provenientes das antigas colônias, não se encontra a mesma diversidade no topo do poder. Quando muito, um negro aqui, um árabe acolá, geralmente em cargos de menor importância.
E o Brasil? Num país como o nosso, onde a miscigenação começou há meio milênio e resultou num contingente populacional em que mais da metade dos integrantes são mestiços, como é que ficam as coisas? Pois nossa situação está longe do exemplo da Inglaterra. A diversidade de nossa população não se reflete nas altas esferas. Nos ministérios de Brasília, encontrar uma mulher é coisa rara; um mestiço, então, mais raro ainda. No quesito representatividade dos variados estratos de nossa população, permanecemos fincados nos tempos coloniais.
Na era PT, apesar das barbaridades que cometeram, Lula e Dilma tiveram a sensibilidade de escolher ministros que escapassem do paradigma “homem e branco”. No governo Bolsonaro, demos um passo atrás. O capitão reforçou o sentimento de que, fora do padrão “homem e branco”, só há cidadãos de segunda classe.
É um tremendo erro considerar que só homens brancos estão habilitados a condividir o poder. Nossa diversidade cultural, racial e religiosa é o que é. Veio e está aí pra ficar. Quem a ignora incorre no mesmo tipo de negacionismo que os que consideraram a covid uma gripezinha: serão atropelados pela realidade.
Somos o que somos, e só no dia em que reconhecermos essa realidade teremos alguma chance de ver nosso processo civilizatório desempacar.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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Lembrar as gafes dos ministros de Lula e Dilma e à incompetência, para lembrar: José Dirceu demitiu Cristovam Jacques por telefone, os irmãos Gomes Ciro e CID foram mnistros, Marina reclamava o tempo todo do marco regulatório do meio ambiente, Mantega sem comentários , mas o campeão de tudo foi Palocci, que já aprontava quando vereador e prefeito de Ribeirão Preto. Não podemos esquecer que Dilma tinha 39 ministros. A gafe da representante do ES, meu estado, contra Gisele Budchen devo também lembrar. Apenas um colírio do que temos tido em Brasília desde os 1/5 do século XXI.