Tempos estranhos. Por José Horta Manzano
… Quando a expressão “tempos estranhos” foi forjada, havia monumental roubalheira mas ninguém tinha medo. A situação hoje se agravou exponencialmente. O assalto – declarado ou suputado – aos cofres da nação deixou o estágio das “obscuras transações” de outrora e tornou-se oficial…
Quase duas décadas atrás, da primeira vez que utilizou a expressão “tempos estranhos” para designar um momento de tensão particular na vida nacional, Marco Aurélio Mello, então ministro do STF, decerto não imaginava que sua definição teria vida tão longa.
A expressão, cunhada nos tempos do Mensalão, entrou de fato para o vocabulário da política nacional e lá se deu tão bem que permanece até hoje. Desde que chegou, ela vem sendo repetida a cada nova barbaridade de nossas autoridades federais.
Nesta execrável era bolsonárica – que ainda há de ser amaldiçoada pelos historiadores do futuro –, a expressão continua válida. E como! Tempos tão estranhos, o país nunca tinha vivido. Nenhum afiado futurólogo do século 20 teria jamais vislumbrado na bola de cristal um período como o atual, mais destrutivo do que muita guerra.
Vejamos então. Faz meses que o capitão açula sua malta a manifestar-se com violência contra o voto livre e secreto e contra a mais alta magistratura do país. Seu Dembish – Departamento de Manipulação dos Baixos Instintos do Ser Humano (também conhecido como Gabinete do Ódio) – concluiu que o Sete de Setembro, a data maior da nação, seria excelente momento para deixar explodir a violência que lampeja atrás dos olhos injetados de seus sequazes.
À vista de uma turbulência que imensa maioria da população não aprova e não deseja, autoridades de bom senso tiveram de agir. A inauguração do novo Museu do Ipiranga e as manobras navais previstas na baía de Guanabara viram seu calendário chacoalhado. Para não soprar sobre as brasas acesas pelo presidente, tiveram de afastar-se do dia sete.
Diferentemente da tradicional bonomia dos festejos da Independência, dia de parada e bandeirinha, autoridades de Brasília tomaram decisão drástica: o bloqueio ao tráfego da Esplanada dos Ministérios. Ninguém passa.
Quando a expressão “tempos estranhos” foi forjada, havia monumental roubalheira mas ninguém tinha medo. A situação hoje se agravou exponencialmente. O assalto – declarado ou suputado – aos cofres da nação deixou o estágio das “obscuras transações” de outrora e tornou-se oficial: orçamentos secretos, ao melhor estilo ditatorial, se encarregam de saquear as burras à luz do meio-dia. E em toda legalidade.
O problema maior é que, além de esbulhado pela “elite” política, o povo vive hoje com medo. Instalou-se uma situação de insegurança que o brasileiro não vivenciava desde os tempos sombrios da ditadura. A pobreza, a miséria, a ignorância, a desigualdade perduram, mas agora o temor do amanhã veio se adicionar aos conhecidos males da nação.
À espera do dia em que essa malta rasteira e estridente será desalojada pelo voto, o Brasil pensante se dá as mãos para neutralizar as consequências das decisões malévolas e maléficas do presidente.
E assim vamos, qual cegos em tiroteio, com jogo de cintura, desviando pra cá e pra lá, tratando hemorragia com esparadrapo, fugindo do capitão, de olho num outubro que nos tire do sufoco.
Como seria bom se a expressão “tempos estranhos” caísse logo em desuso.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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