Sigilo & Transparência. Por Alexandre Henrique Santos
… Desde o mero sair do armário até a proposta radical do WikiLeaks, o anseio geral, ainda que amorfo e difuso, parece ser o de que possamos viver com mais honestidade e com menos mentiras. Até lá – quem sabe? – teremos descoberto o neurônio da transparência!…
“Tudo o que nós escondemos tem poder sobre nós”.
Joyce Meyer
Quando Raymundo Faoro se lançou em busca das raízes do modelo estamental-burocrático do Brasil, para fundamentar e construir o seu clássico “Os donos do poder”, não limitou sua pesquisa à chegada das três caravelas no século XV; foi investigar os primórdios do Estado português. Pois, então, eu me atrevo a supor que se procurarmos a origem das variadas formas de corrupção que hoje afligem o mundo, veremos que ela não remonta à Antiguidade, mas sim a priscas eras, quando a bela macieira do Éden era apenas uma sementinha, e a terrível serpente pouco mais que uma minhoca.
O fato é que inexistem época histórica e regime político que tenham sido isentos de segredos e negociatas. O que pode variar é a forma, a frequência e a dimensão em que se deram os desfalques. Agora, se essa nossa propensão de corromper e de se deixar corromper parece algo tão visceral e vindo de tão longe, não seria o caso de considerar a hipótese de que esses padrões de hábitos ruins estão no “pacote” da nossa herança genética?
Vejamos: em 1994, neurocientistas italianos descobriram, por acaso, em experimentos com macacos Rhesus, o neurônio responsável por reproduzir no indivíduo comportamentos observados. Inicialmente foi batizado de neurônio-espelho e, mais tarde, de neurônio da empatia. É fantástico saber que as técnicas para se criar empatia de modo voluntário – que a neurolinguística passou pelo menos uma década para aperfeiçoar –-, já vieram prontas, formatadas e disponibilizadas gratuitamente por Mamãe Natureza no hardware de cada mortal!
A ocasião faz o ladrão ou o ladrão cria a ocasião? Seria absurdo ventilar a existência de um neurônio da corrupção, latente em cada pessoa, apenas esperando o momento de ser acionado?
De um jeito ou de outro, com ou sem a ajuda da biologia, cada indivíduo tem maior ou menor inclinação para dissimular, enganar, mentir ou para ser aberto, sincero, transparente. Ninguém escapa de ter seu perfil avaliado por um corruptímetro: eu, tu, eles, elas, nós, vós, elas e eles. Em tese, potencialmente, cada qual leva dentro de si uma porção Roberto Jefferson ou Eduardo Cunha. É duro pensar assim. Mas assim é que caminha a humanidade.
Considerando a questão desde o prisma da diversidade humana, poderíamos conjecturar que os temperamentos mais suscetíveis de ceder ao suborno, a propina, às negociatas, não se intimidam diante do freio da ética e se deixam conduzir pelas pulsões egóicas e individualistas – o querer “levar vantagem”, o desejar “ser esperto”, o “tornar-se rico” num estalar de dedos etc.
Já os temperamentos avessos a tentações, aliciamentos, à sedução das facilidades, são os mesmos que conseguem se impor aos vícios – os que adotam a estratégia de adiar as recompensas. No geral, são os mais sensíveis aos códigos de controle social e, com certa frequência, estão guiados por pulsões de cunho solidário e altruísta.
Posto que até o presente estágio da evolução humana nós temos sido incapazes de evitar a corrupção, resta-nos tratar de minimizá-la. Um caminho que já vem sendo provado com relativo êxito é a adoção da transparência no modus operandi da gestão pública – salvo, claro, em situações nas quais o segredo se faz necessário, é transitório e não colide com o bem comum. No fim das contas, por que alguém iria propor sigilos de cem anos para informações que são do interesse público? Por que ocultar dados que poderiam esclarecer as nossas dúvidas? A resposta mais plausível é também a mais óbvia: para esconder dados que a população tem todo o direito de saber!
Cito de memória uma ótima entrevista do doutor Faoro em meados dos anos 1970 – em plena ditadura militar. Após dissertar com seu peculiar brilhantismo sobre mazelas e entraves que o corporativismo jurídico-cartorial brasileiro – eterno serviçal dos donos do poder – impunha ao nosso desenvolvimento, o professor se calou. A jovem repórter aproveitou a brecha e provocou: “Então a honestidade do senhor não tem um preço?” O ilustre jurista foi indulgente, tolerou a irreverência da pergunta e contestou com um rotundo “Não!” Mas pensou melhor e não se fez de rogado, deu uma risada e com ótimo humor disparou: “Bem, talvez uma embaixada vitalícia em Viena!”
Aos trancos e barrancos e de maneira extremamente desigual, com conquistas e retrocessos, a sociedade vem criando as condições necessárias para incorporar as desafiadoras práticas da abertura e da confiança. Desde o mero sair do armário até a proposta radical do WikiLeaks, o anseio geral, ainda que amorfo e difuso, parece ser o de que possamos viver com mais honestidade e com menos mentiras.
Até lá – quem sabe? – teremos descoberto o neurônio da transparência!
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*Alexandre Henrique Santos – Atua há mais de 30 anos na área do desenvolvimento humano como consultor, terapeuta e coach. Mora em Madri e realiza atendimentos e workshops presenciais e à distância. É meditante, vegano, ecologista. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes..
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O nível de corrupção de um país é inversamente proporcional ao controle exercido pelas autoridades para contê-lo. Quanto maior o controle, menor a corrupção.
Uma obviedade que, parece, não interessa ou ainda não chegou ao intelecto das autoridades deste país.