Mais nunca é demais. Por Dagoberto Alves de Almeida
… A desigualdade contrapõe os poucos para os quais mais nunca é demais, daqueles muitos para os quais por menos que seja é melhor do que nada…
Não há como aceitar a pobreza e a desigual distribuição de renda global como tolerável e nem mesmo acreditar que as conquistas para erradicar a extrema pobreza não estejam sob risco. Mesmo porque, estima-se que em decorrência da pandemia da COVID19 os 2% mais pobres da população perderam 5% da sua renda. No início da pandemia a Oxfam — proeminente organização que trabalha para aliviar a pobreza mundial — declarou no Fórum Econômico Mundial em Davos que os 2.153 maiores bilionários do mundo têm mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas, que constituem 60% da população do planeta. No entanto, esse apelo humanista e sensato ainda está longe de representar resultados significativos, uma vez que o número de bilionários dobrou na última década. Ainda mais chocante, a pandemia criou um novo bilionário a cada 30 horas. Alerta ainda que um milhão de pessoas podem cair na pobreza extrema no mesmo ritmo em 2022. E isto é o que está ocorrendo visto que, embora o Brasil tenha deixado o Mapa da Fome em 2015, voltou a ele de forma retumbante com 33 milhões de pessoas passando fome e mais da metade da população em insegurança alimentar, ou seja, sem garantias de que terão a próxima refeição. Isto ocorrendo em um país que é uma potência agrícola na produção e exportação de grãos.
No sentido de mitigar a miséria, doações de expoentes das classes mais abastadas têm ocorrido e são, obviamente, meritórias, embora ainda tímidas diante do perverso quadro de crescente concentração de riqueza. Como a desigualdade exige tratamento desigual, iniciativas variadas têm ido além da doação, com foco no uso que dela se fará. É o caso da destinação das doações feitas pelo magnata Bill Gates da Microsoft, para iniciativas no sentido de prover água limpa e condições sanitárias e de higiene nas regiões mais empobrecidas do planeta. Em um viés diverso da filantropia se destacam iniciativas de cunho pedagógico como a de Gary Stevenson, um ativista contrário à desigualdade que, a despeito de ter-se tornado milionário com especulações financeiras na Citi londrina, resolveu se rebelar por meio de uma ONG que busca esclarecer a sociedade acerca da desigualdade favorecida pelo sistema financeiro.
O fato é que há elites que criam valor para a sociedade e há elites que são meras rentistas porque pouco ou nada contribuem em riqueza para ser compartilhada com outros. Algumas elites, pelo contrário, chegam a trazer imenso dano à sociedade como a cúpula do crime organizado e a corrupção de parte da classe política. As elites rentistas por não investirem, em especial na educação e na geração de emprego para as novas gerações, atuam como pragas bíblicas, consumindo vorazmente sementes do presente e comprometendo as safras futuras.
Enquanto o governo zera impostos para o que chama de ‘incentivo ao turismo’ na compra de jet skis, veleiros, planadores e dirigíveis o caminhoneiro paga imposto sobre o veículo que utiliza para trabalhar. A assimetria tarifaria avilta a cidadania e o bom senso econômico ao cobrar impostos de 2,0 a 3% do preço do veículo (IPVA) para carros — não importa se modelo popular ou premium — caminhões, motocicletas, todos os veículos enfim, mesmo que utilizados para trabalho enquanto libera de tributação embarcações de luxo como iates e jatos executivos particulares.
Em oposição às benesses tarifarias para a classe afluente os mecanismos institucionais para combater a fome nas classes mais desfavorecidas são desconstruídos. Exemplos desse pernicioso processo são a não atualização do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) com o veto presidencial ao reajuste da merenda escolar. A questão relativa a como as crianças aprenderão com a barriga vazia não parece sensibilizar nossa classe dirigente. Tal conduta, além de desumana é uma estupidez do ponto de vista econômico.
Do ponto de vista econômico, a educação promove o emprego, os ganhos, a saúde e a redução da pobreza. O Banco Mundial estima que, globalmente, há um aumento de 10% nos ganhos por hora para cada ano extra de estudo, além de estarem menos sujeitos ao desemprego. Mas com a barriga vazia não é possível aprender.
Não se trata, portanto, de tirar de quem tem mais pra dar a quem tem menos, mas de criar condições para que muitos não sejam condenados à miséria, ignorância e violência pela concentração abusiva de renda nas mãos de alguns poucos. Não é por acaso que os países mais ricos são aqueles que têm, também, os menores índices de desigualdade.
O cartunista Millôr Fernández do alto da sua sagacidade bem-humorada dizia que “o aumento da canalhice é o resultado da má distribuição de renda”. A desigualdade contrapõe os poucos para os quais mais nunca é demais, daqueles muitos para os quais por menos que seja é melhor do que nada.
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– Professor Dagoberto Alves de Almeida – ex-reitor da Universidade Federal de Itajubá -UNIFEI – mandatos 2013/16 – 2017-20
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