Cutucando o vespeiro. Por Alexandre Henrique Santos
CUTUCANDO O VESPEIRO
ou
NÃO, BABY, LINCHAMENTO NÃO!
“– Você pratica algum esporte de risco?
– Sim, às vezes dou minha opinião.”
Mafalda/Quino
Meu amigo J.T. é um homem honesto e trabalhador, uma alma do bem que ajudou a colocar o capitão onde ele está agora, na cadeira de Presidente da República. Apesar de recitar um rosário de pesares, J.T. diz – com expressão facial de pesar – que em outubro repetirá seu voto. O que o mantém firme na intenção de reeleger o ex-militar, expulso do exército por indisciplina, é um forte sentimento antipetista que foi alimentado pelos grandes meios de comunicação, mas também por uma sequência de fatos que ficarão mais bem explicados com as próprias palavras dele: “No poder, o PT se comportou de modo igual aos partidos que antes combatia. Fez tudo o que pode para acobertar corruptos, defender laranjas, abafar escândalos…” J.T. e eu temos visões de mundo diferentes e em outubro próximo votaremos em candidatos diferentes, mas coincido com alguns dos argumentos dele.
Creio que foi no ano de 2006. Não lembro bem. Participei na cidade de Monterrey, no México, de um encontro internacional patrocinado por uma fundação norte-americana dedicada a defender e divulgar a transparência das contas da gestão pública. Apresentaram na ocasião um estudo especulativo que pretendia, a partir dos variados e incertos dados disponíveis, calcular o “tamanho” da corrupção no cenário mundial. Não recordo os números projetados, mas gravei um exemplo que para mim foi assustador e emblemático: se não houvesse desvio de verbas, sobrepreço, tráfico de influência, suborno etc. em nenhum lugar, para que tudo e todos permanecessem exatamente como estamos agora – o ano base era 2006 – teríamos que trabalhar somente três dias na semana!
Minha amiga B.C., que é professora universitária aposentada e foi voto vencido na última eleição presidencial, lamenta que as filhas tenham imigrado para os Estados Unidos. (“Se o Brasil fosse viável (sic) elas estariam por aqui…”) A doutora é progressista e não duvida em ajudar a eleger o candidato que defende a democracia; mas usa palavras duras ao se referir aos petistas: “Não nego o carisma do Lula, mas sou temerosa do bando que vem junto!” Quer dizer, embora B.C. aposte na vitória democrática, ela teme que a ala corporativa-nepotista do petismo, uma vez no poder, fale mais alto do que o espírito republicano.
Considero o PT corresponsável pela expansão vertiginosa da onda antipetista que, em parte, explica a eleição de Bolsonaro. A ausência de um exercício público de autocrítica por parte dos petistas, de suas lideranças e do seu líder maior, Lula, ainda que isso custasse cortar a própria carne, foi e segue sendo para mim uma lacuna indefensável. Semana passada, na entrevista ao JN da Globo, pela primeira vez, o ex-presidente admitiu corrupção na Petrobrás… Foi um pequeno avanço. Lembro bem que anos atrás expus o nevrálgico tema para uma amiga que, como eu, no final da década de 1970, ajudou na criação do Partido dos Trabalhadores. Petista de carteirinha, sua reação de estupor foi tão imediata e espontânea como a de quem recebe um choque elétrico: “O que você quer? Um linchamento em praça pública?”
Não, Baby, linchamento não! Sei que não existe um único partido político no planeta que seja 100% isento de correligionários corruptos. Nem em Gana, nem no Japão, nem na Noruega, nem aqui. Não apoio nenhum tipo de linchamento; assim como não apoio nenhum tipo de desonestidade. Considero hipócrita quem compara os montantes de dinheiro desviado. Mesmo que, se comparado com as cifras bilionárias do orçamento secreto, o mensalão tenha movimentado apenas uns trocados – corrupção é corrupção, pouco importa a quantia que se rouba. Porém, o silêncio e o imobilismo do PT diante de flagrantes delitos envolvendo políticos, filiados e apaniguados tiveram as cores da conivência. E o ônus pior: colocaram sob suspeição o discurso ético do partido.
Sabemos que esses fatos foram ampliados e expostos pela Globo & grande mídia – leia-se, os poderosos grupos da economia neoliberal e do credo neopentecostal, desde sempre adversários de governos progressistas propositadamente confundidos com comunistas e socialistas. Esse foi o pano de fundo ideal para o êxito de três golpes sucessivos contra as políticas comprometidas com a distribuição de renda e a justiça social. Primeiro, criaram o Mensalão; depois, o impeachment da Dilma; e, por fim, a Lavajato – que começou com o melhor dos propósitos, mas logo se rendeu aos interesses nefastos da “República de Curitiba” e virou Vazajato. Tudo isso divulgado pelas TVs e celulares como se fossem os últimos capítulos da novela das oito. Geraram, do Oiapoque ao Chuí, um clima de Fla-Flu só comparado a uma final de Copa do Mundo…
Mas chega de lamentar o leite derramado. Se a democracia vencer as eleições, o PT terá a oportunidade histórica de se redimir. Apostando que “há males que vêm para bem”, o país já viu no que é que dá eleger um personagem tão obscuro e minúsculo para nosso maior cargo executivo. A lição custou caríssimo ao Brasil. Lula tem luz-própria e não é um político nanico; mas terá diante de si o gigantesco desafio de resgatar a esperança das cidadãs e cidadãos brasileiros em um país melhor.
Escolher a democracia é simples, mas não é tarefa fácil. Pois não basta derrotar o fascismo. Cabe a todos nós a missão de construir uma sociedade democrática. Necessitamos reerguer dos escombros ou recriar do nada o que um dia foram o Ministério da Educação, o Itamarati, a Funai… A lista dos desmontes causados pelo capitão & cia. é enorme. Porém, nada disso será possível se não houver um combate perene, aberto e declarado contra todo tipo de ódio, corrupção e nepotismo.
Quem viver verá!
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*Alexandre Henrique Santos – Atua há mais de 30 anos na área do desenvolvimento humano como consultor, terapeuta e coach. Mora em Madri e realiza atendimentos e workshops presenciais e à distância. É meditante, vegano, ecologista. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes..
Acesse: www.quereres.com
Contato: alex@ndre.com.br
É verdade, o desafio é enorme.
Concordo que a mudança é necessária e urgente, mas após a eleição, com a vitória da democracia, virá uma batalha árdua na tentativa de instituir um país ético e moral!
Meu querido novo amigo, agora vamos juntar os pedacinhos e fazer um lindo mosaico, com mais amor, mais tolerância, mais respeito, mais abraços de girafa.
Retomaremos a rota da esperança.