Explode, coração! Por Silvia Zaclis

…Aí resolvem importar o coração de D. Pedro para comemorar o bicentenário da independência. Dá para imaginar coisa mais macabra? Receber o pote com honras de Estado é cena digna de Stephen King em dia de ressaca…  

Fiquei triste quando resolveram escarafunchar os restos mortais de Dom Pedro I, anos atrás. As imagens amplamente divulgadas me pareceram de mau gosto, mistura de morbidez e desrespeito. Vai ver que é importante por motivos históricos saber se ele morreu como dizem (ou não dizem) os livros.

Ainda assim, como se justifica  mostrar ao vivo (?) e em cores (?) o que sobrou de D. Pedro? Não teria sido mais correto que as imagens fossem vistas apenas pelos especialistas?

Outro dia assisti a um programa sobre descobertas arqueológicas no Egito. O destaque era a tumba do jovem faraó Tutancamon,  encontrada em 1922, e os inúmeros testes feitos na múmia para  determinar a causa de sua morte.

A primeira autópsia foi feita ainda em 1925; quase um século e centenas de testes depois, não há uma certeza a ser divulgada para o mundo.

Fico pensando no trabalho que os antigos egípcios tiveram para preparar, segundo suas crenças, o moço para a eternidade. Mumificaram, construíram invólucros preciosos, uma máscara mortuária de ouro, e puseram na nave uma seleção dos objetos mais representativos da vida do moço. Depois enterraram tudo isso com muita arte e imaginaram que estava tudo OK.

Reconheço que o setor egípcio de museus está entre meus passeios favoritos. Acho tudo fascinante. Mas não posso negar que, ao assistir à múmia ser despida, picada, cortada e analisada com equipamentos high tech, me senti muito mal.

No final do programa, uma promessa: “Não temos as respostas ainda, mas com certeza um dia, com novos testes e equipamentos de última geração, a certeza virá…” Pois estou torcendo para que eles descubram logo, e possam deixar a múmia finalmente em paz.

Aí resolvem importar o coração de D. Pedro para comemorar o bicentenário da independência. Dá para imaginar coisa mais macabra? Receber o pote com honras de Estado é cena digna de Stephen King em dia de ressaca.

Eu até pensei que o pote fosse de metal, e levei o maior  susto quando vi que era de vidro, expondo veias e válvulas.

Ainda hoje li comentários sobre  um inchaço suspeito no coração real. Teria sido causado pelas substâncias utilizadas naquela era pré formol? Ou seria o efeito de todos os corações partidos que se renderam aos encantos do imperador?

Pode ser exagero, mas estou com medo de que alguma autoridade resolva mandar abrir o coração num laboratório para descobrir seus segredos.

Que os faraós nos protejam!

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SILVIA ZACLIS – É JORNALISTA