Vias de fato. Por José Horta Manzano
“Vagabundo”, “covarde”, “canalha” e “tchutchuca do Centrão” – foram as palavras amáveis dirigidas ao capitão por um “youtuber de direita”, seja lá o que isso queira dizer. Na atualidade, todo cidadão faz obrigatoriamente jus a uma etiqueta a especificar se ele é do bem ou do mal, de Jesus ou de Belzebu.
Em tempos mais gentis que o atual, os epítetos lançados ao presidente seriam inadmissíveis, inconcebíveis. No entanto, desde que Bolsonaro vestiu a faixa, a civilidade foi pro espaço. Hoje em dia, nem aqueles palavrões cabeludos que a gente tinha vergonha de pronunciar chocam mais. Que saiam da boca de um cidadão qualquer ou até do presidente da República(!), o efeito é nulo. Nenhum frisson. Expressões de calão entraram para a conversa corriqueira.
Assim mesmo, é menos comum assistir-se à cena de um presidente se atracar fisicamente com um cidadão pelo motivo de ter escutado qualificativos que não lhe agradaram. Já fiquei sabendo de coronéis e deputados que se comportaram assim. De um presidente, principalmente quando está em campanha de reeleição, é mais raro.
Pensando bem, as palavras utilizadas pelo rapaz refletem a pura verdade. Nua, crua e sem retoques. “Vagabundo”, “covarde”, “canalha” e “tchutchuca do Centrão” é excelente resumo da personalidade presidencial. Ou não?
Mas dá pra entender a razão pela qual o capitão se sentiu tão à vontade pra rodar a baiana no meio da rua. Em primeiro lugar, o interlocutor era baixo e franzino. Em seguida, Bolsonaro estava rodeado daqueles agentes tamanho leão de chácara. Nessas condições, até eu me aventuraria a abordar fisicamente o “ofensor”.
Queria ver se a macheza seria a mesma caso os seguranças não estivessem ali e o “youtuber de direita” fosse do tamanho daquele deputado anabolizado, aquele que foi condenado à masmorra e salvo pela graça presidencial. Não tenho certeza de que Sua Excelência encararia, peito aberto.
Se eu fosse o youtuber agredido, não hesitaria em dar parte na polícia por ter sido vítima de vias de fato – em reação desproporcionada a mera interpelação verbal.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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Caro Manzano,
Talvez por ter pedido ser esquecido, esquecemos mesmo e, somente agora relembramos: João Figueiredo também teve seu momento de valentão e partiu para briga com estudantes em Santa Catarina, no longínquo 1979.
Finava o regime dos generais, mas houve tempo para enquadrar os “agressores” nos rigores da lei… e haja rigor daqueles tempos.
O atual dono da cadeira só aceita elogios e plateia amestrada; imagino que por isso goste das tais “motociatas”, onde o barulho dos motores esconde um possível xingamento.
Ao mesmo tempo, fica rodeado de “puxa-sacos” que babam nas barbas ao ficar perante tão pobre figura.
Torço para vê-lo em um debate – apenas um – programados pelas TVs… Mas, sei que será um sonho, pois ele não tem tutano, linguagem ou aptidão para argumentar nada.
Mas, não custa sonhar…
Inté!
Caro Xará,
Acho que não esquecemos do Figueiredo não. A prova é que, tantos anos depois, ainda estamos falando dele. A sutileza do personagem ficou em algumas pérolas citadas até hoje. Esta é de 1978:
“É para abrir mesmo [o regime]. E quem quiser que não abra, eu prendo e arrebento. Não tenha dúvidas.”
Não é prova evidente de delicadeza de alma?
Tanto o capitão quanto o Lula têm aversão a expor-se diante de plateias não-amestradas. Desde que levou uma longa e sonora vaia no Maracanã, na abertura dos Jogos Panamericanos de 2007, o Lula ficou cismado com povo. Sempre que possível, prefere auditório amistoso.
Portanto, temos dois candidatos principais que preferem insultar-se mutuamente via redes sociais. Confronto cara a cara, que é bom, descartam. De todo modo, nenhum deles teria nada de concreto a dizer. Pra debater e argumentar, é preciso uma formação que nem um nem outro tem.
Abraço.
Caro Manzano,
Grato pelo retorno.
Realmente Figueiredo foi – mais um – dos folclóricos presidentes que tivemos.
São várias as frases que ele usou para definir momentos de sua passagem e, tomo a liberdade de enviar algumas :
“Prefiro cheiro de cavalo do que cheiro de povo. “
„Eu cheguei e as baianas já vieram me abraçando. Ficou um cheiro insuportável, cheguei no hotel tomei 3, 5, 7 banhos e aquele cheiro de preto não saía. “„A solução para as favelas é jogar uma bomba atômica. “
„Se ganhasse salário mínimo, eu dava um tiro no coco. “
„Minha mãe não está em pauta“ – essa antes do embate em Santa Catarina…
Bom final de semana.
inté!