E aí, bela? Por Silvia Zaclis
…“E aí, bela? Vai votar em quem?” A essa altura o filho, que estava no caixa, dá uma passada de olhos na minha figura, balança a cabeça e diz “Ora, mãe…” Resolvi contar a verdade, e aguentar a barra.
Sabe aquela cena no terceiro filme de O Poderoso Chefão? Quando o Michael Corleone diz que quer legitimar os negócios da família, mas não consegue porque é puxado de volta para o mundo dos mafiosos?
Pois é, eu tinha resolvido deixar o tema da política nacional por um tempo, mas parece que tudo conspira para “puxar” a gente para o mesmo lero-lero.
Fui ontem comprar minhas Recreativas na banca e a proprietária, com um jeito napolitano que traz saudades de tanta gente querida, me pergunta: “E aí, bela? Vai votar em quem?” A essa altura o filho, que estava no caixa, dá uma passada de olhos na minha figura, balança a cabeça e diz “Ora, mãe…”
Resolvi contar a verdade, e aguentar a barra.
E não é que mulher sorriu, parecia aliviada. “Você não sabe o que acontece por aqui, aqui só passa bolsonarista”. A essa altura, a voz é pouco mais de um sussurro, e ela faz sinais com a cabeça e com os olhos indicando a freguesa que aguarda para pagar, “é, essa aí também…”
Declarou-se eleitora do Ciro e explicou que se a gente não votar em quem quer nem no primeiro turno, nosso candidato nunca chegará ao segundo.
Também contou de uma “senhora bem vestida, com certeza bem sucedida na vida”, que reclamou do display da Veja com o Lula na capa. “Ela veio brigar comigo, dizendo que eu apoio ladrão… Falei para ela ir reclamar lá na Abril…” e, se bem senti o clima por ali, a moça deve ter sido encaminhada também a outros lugares menos salubres.
Paguei e saí, mas não antes de prometer que voltaria lá uma hora dessas para bater um papo.
Fiquei pensando no que Nelson Rodrigues diria caso a gente pudesse perguntar a ele se a polarização é tão ou mais burra que a unanimidade.
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SILVIA ZACLIS – É JORNALISTA
Não sou filósofo nem nada mas creio que crescemos num mundo que valoriza a polarização: ganhadores/perdedores, bom/mau, rico/pobre, bem/mal, bonito/feio, fiel/infial etc.
A diferença agora é que, creio, os antagonistas não mais desejam se tolerar e passam a condenar o outro de uma forma simples e tosca.
Perfeita sua reflexão, é como se a gente se permitisse tirar todas as máscaras (menos uma, claro) e pusesse para fora instintos e sentimentos recolhidos ao silêncio por muito tempo…
Agora, não só assumismos os tais sentimentos como nos negamos a ouvir qualquer coisa que se oponha a eles. E os políticos se aproveitam disso. Nós é que saímos perdendo.
Bella, também compro A Recreativa na banca daqui da rua e nossa coincidência acaba por aqui.
Nem um, nem outro: ambos se equivalem na esperteza grosseira, no arrivismo, na manipulação da polarização, na corrupção.
Quanto a Nelson Rodrigues: era um republicano de carteirinha chamado por desafetos de “reaça”.