Áurea

Áurea. Por José Horta Manzano

…Os vereadores de Áurea estão de parabéns. A iniciativa me parece simpática, justa e oportuna. Nenhum aureense vai deixar de falar português só porque melhorou seu conhecimento da língua dos avós ou bisavós…

Áurea

Você sabia?

Duas semanas atrás, a Câmara de uma cidadezinha gaúcha de 3.600 habitantes aprovou uma lei municipal pouco comum no Brasil. Vamos conhecer a história.

A cidadezinha é Áurea, no alto vale do Rio Uruguai, norte do Rio Grande do Sul. O povoado começou a se formar 120 anos atrás, com a chegada de imigrantes poloneses. Seus descendentes constituem hoje mais de 90% da população.

Nos anos 1930, na tentativa de consolidar o advento de um “homo brasilicus” alforriado dos laços que prendiam os imigrantes à pátria de origem, a ditadura Vargas exerceu forte pressão para transformar os recém-chegados de então em brasileirinhos de quatrocentos anos. Em Áurea, o uso da língua polonesa no espaço público foi banido. Também foi proibido o ensino dessa língua em escolas.

Assim mesmo, Áurea resistiu. Não podendo fazer parte do ensino escolar, o polonês foi transmitido de geração em geração por via oral, no seio de cada família. Chegamos ao dia de hoje com boa parte da população – principalmente os mais velhos – “se virando” em polonês. Uns falam bem, outros mais ou menos, muitos entendem mas não falam, uns poucos leem.

Agora vamos à nova lei municipal. Ela entroniza a língua polonesa como idioma cooficial no município, ao lado da língua portuguesa – como permite o Artigo 216 da Constituição Federal. O objetivo é valorizar o aprendizado e a transmissão dessa língua, além de dar apoio a eventos culturais, artísticos e turísticos que promovam o idioma dos antepassados.

A (quase) totalidade dos habitantes tem sobrenome de origem polonesa, muitas vezes estropiado. Para corrigir essa anomalia, um dos incisos da lei preconiza que se passe a grafar corretamente esses sobrenomes.

Os vereadores de Áurea estão de parabéns. A iniciativa me parece simpática, justa e oportuna. Nenhum aureense vai deixar de falar português só porque melhorou seu conhecimento da língua dos avós ou bisavós. O conhecimento de uma língua estrangeira, seja ela qual for, desempoeira a mente e alarga o horizonte intelectual. Só traz benefícios.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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