Pior que o mensalão. Aylê-Salassié Filgueiras Quintão
…Pois esses mesmos delinquentes são os que estão aí tentando retornar à cena do crime e, curioso, pregando uma amoralidade: “Orçamento secreto é pior do que o mensalão!”, bradam descaradamente, em praça pública, a plenos pulmões e muita adrenalina, jorram suor de todos os poros…
Cenário eleitoral
Alguém desconfia do que se trata?… 49% dos brasileiros evitam falar sobre política, segundo pesquisa do DataFolha, que não detectou, nem procurou, qualquer rejeição moral ou imoral ao processo eleitoral, mesmo diante de um quadro explícito de corruptos e incompetentes querendo retornar às cenas do crime. Roberto Jefferson, da sua “prisão domiciliar’, acaba de lançar-se candidato à presidente da República. É pra valer ou apenas uma estratégia para ressuscitar memórias enterradas?
Difícil acreditar que o cidadão brasileiro não perceba este, sim, “novo normal”, que se esconde atrás das liberdades e dos resíduos da democracia, agenciando, com sinceridade duvidosa, a retomada do Poder do Estado, coniventemente com a própria Justiça e com fanatismos emergidos da desinformação e das angustias da população.
Falar em política nesse momento no Brasil é dar legitimidade a candidaturas de quase 100 cretinos com processos por corrupção em tramitação na Justiça, e liberados pelo Judiciário para serem candidatos a cargos públicos. A melhor descrição feita desse quadro é do Alkmin, que está aí, hoje, aparentemente corrompido, desfrutando cinicamente do mesmo espaço dos seus acusados: “volta à cena do crime”. No cenário despontam desde candidatos à presidente da república, a governador, a senador, a deputado, a prefeito e a vereadores. O círculo está fechado somente para o eleitor. Nesta democracia apregoada, o cidadão não tem direito a escolha. Tudo está dado.
Entre os aspirantes a retornar ao espaço do Estado estão aqueles que desviaram dinheiro do Orçamento Federal, dos ativos das empresas públicas, sobretudo, da Petrobras, para comprar apoios no Congresso, e dos incentivos fiscais do Tesouro. Gente que a título de ajudar os mais pobres ou à cultura, comprou propriedades privadas, até fazendas, com esse dinheiro. Estão também aí aqueles que fizeram o uso dos recursos públicos criando contas em paraísos fiscais, e subornando governos estrangeiros. Nem a repatriação de parte desse dinheiro e a condenação lá fora dos subornados – até presidentes da República – serviu para dar materialidade judicial às práticas infratoras originadas no Brasil.
Pois esses mesmos delinquentes são os que estão aí tentando retornar à cena do crime e, curioso, pregando uma amoralidade: “Orçamento secreto é pior do que o mensalão!”, bradam descaradamente, em praça pública, a plenos pulmões e muita adrenalina, jorram suor de todos os poros. Sem dúvida é uma imoralidade introduzida, de uns temos para cá, goela abaixo população, na gestão política do País. Mas não é qualquer pessoa que pode arvorar-se a fazer essa acusação. É preciso ter ficha limpa e o rabo solto. Essa figura é uma fantasia ou mesmo um fantasma.
O modelo eleitoral brasileiro é em si cretino, e o conceito amplo e residual de democracia tem sido o grande escudo para se fazer o que se quer neste País, com ou sem amparo legal ou moral. Os candidatos auto inocentam-se, fazendo de conta que nada aconteceu ou nada está acontecendo. Com exceção de um aqui outro ali, não ganham sequer a pecha de despudorados. Os correligionários jogam o jogo eleitoral, como se estivessem em um estádio de futebol. Querem ganhar, e miram os futuros empregos públicos.
A imoralidade com método de gestão no Brasil levou à desqualificação de instituições nacionais históricas, à desorganização das políticas públicas, à desestruturação da economia e à desmoralização do Brasil entre os pares, em diferentes fóruns internacionais. De países em desenvolvimento, o Brasil passou a ser listado entre os países mais corruptos do mundo. As agências de avaliação de crédito chegaram a desclassificar o Brasil no mercado como bom pagador.
Por aqui, os acreditados como mais honestos politicamente parecem mesmo sempre terem desejado, para o Brasil, um capitalismo sem lucro, ou um socialismo sem disciplina ou, ainda, a realização de investimentos sem capital. Sempre viram as empresas privadas sob o controle do Estado e as públicas sem nenhum controle. “Quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos podem satisfazê-las[…]. É uma transa adúltera entre os filhos de Marx e a Coca Cola‘. Era um sábio…
Só podia terminar assim: “Se um de meus filhos for preso, eu arrasto todo o STF junto“. O cidadão brasileiro, cumpridor dos seus deveres constitucionais, não pode dizer o mesmo. Não existe sequer a opção. Belo cenário para a realização da democracia que se anuncia, às escâncaras, nas mesas de bar para o País.
Sai-se da violência retórica e chula, acompanhada de ameaças e de uma enorme incompetência na gestão dos recursos públicos remanescentes, e cai-se no campo da transgressão econômica. Não há sintonia de propósitos nem com a Nação. Só conchavos. Os pretensos políticos afogam-se em excesso de poder e a população submerge a inflação especulativa e oportunista: IPCA (12 meses) 11,73,3%, taxa Selic 13,25 e juros de cartão de crédito entre 175 a 324 % ao ano. Os bancos nadam de braçada.
O País entrou num processo de imoralidade pública generalizada, como nunca na História do Brasil. Aqueles cujas atividades criminosas tornaram-se mais visíveis tiveram suas ações e comportamento transformadas até em virtude, e os juízes assistindo, com a Constituição na mão, o reposicionamento de um conjunto de princípios da ética, da honestidade e do pudor. Nem Sócrates, nem Confúcio, nem Kant conseguiriam entender esse “novo normal”. Talvez só mesmo o jovem filósofo Antônio Gramsci, com a sua imaginada revolução cultural.
Stálin não previu aquele Gramsci, e este, como muitos em atividade, não visualizou a tal de “internet” configurando e desconfigurando seu engenhoso projeto de sociedade. Com a rede de computadores conectados vieram as redes de sociais (5 bilhões de pessoas em contato direto no mundo, perto de 200 milhões no Brasil). Hoje, qualquer cidadão tem o mundo na palma da mão. Onde se vai chegar é difícil prever. Este modelo não tem futuro, nem esses tipos políticos farão história.
Enfim, dadas as condições morais ainda vigentes, só de se aceitar falar nas eleições e, por conseguinte, nos candidatos que aí estão, já é uma imoralidade. É isso que a pesquisa do DataFolha se esquiva de considerar. Mas, o certo é que estão todos à ” procura de um candidato à altura do Brasil” (Circe Cunha) e, pode-me mesmo dizer que “o cenário do orçamento secreto é tão imoral quanto o do mensalão“, mas olhe quem fala!…
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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018
E autor de Lanternas Flutuantes:
Português – LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508 (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns
Polonês – Pływające latarnie – poetycko zamieszkiwać świat
Tailandês – Loi Kathong (ลอยกระทง)
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