ERROL FLYNN

A mulher do Errol Flynn. Por Antonio Contente

As viagens de Errol Flynn ao Brasil ~ Memórias Cinematográficas
                                        As viagens de Errol Flynn ao Brasil

         Recebi, já faz alguns anos, e-mail do jornalista e poeta (um dos maiores do Brasil) José Maria Leal Paes, hoje morando em Belém após trabalhar durante largo tempo no “Estadão” na mesma época em que eu estava no “Jornal da Tarde”. Sua mensagem não poderia ser mais sucinta, apesar do enorme significado. Dizia, apenas: “Morreu aqui ontem, no bairro do Guamá, a mulher do Errol Flynn”.

         Devo contar que fui, imediatamente, coberto pelo diáfano manto da saudade. Pois tal figura, a “mulher do Errol Flynn”, marcou, de alguma forma, a vida de muitos de nós que fomos jovens na capital do Pará ali pelos anos cinqüenta.

         Raimunda Bastos, esse era o nome dela. Morena bonita, francamente bonita, sósia da bela Teresa Collor, acho que muitas pessoas ainda lembram da imagem dela que circulava exaustivamente por todas as chamadas mídias, nos  dias d’outrora. Mas a nossa beldade não era nenhuma socialite, antes pelo contrário. Exercia, com eficiência e alta competência, aquela que chamam de “a mais antiga das profissões”. E, afinal, mesmo sendo a gracinha que era, mal saída da adolescência, não teria entrado para a história se não tivesse se transformado na “mulher do Errol Flynn”.

         Vamos voltar um pouco no tempo, para a época da Segunda Guerra Mundial. Naqueles duros anos os americanos instalaram duas bases no Brasil, uma em Natal outra justamente em Belém. E ambas eram, de vez em quando, visitadas por grandes astros e estrelas de Hollywood, que ajudavam a levantar o moral das tropas. Foi assim que passaram pelo país figuras como Lana Turner, Humphrey Bogart, Kirk Douglas, Gary Cooper, Bob Hope e, claro, Errol Flynn, entre muitos outros. Sobre Lana Turner, aliás, contam que ela caiu d’amores por um piloto brasileiro que servia junto com americanos e ingleses na capital do Pará. E, na hora em que seus parceiros se foram, a grande estrela ficou; sendo agilmente escondida pelo aviador nacional numa praia quase deserta na Ilha do Marajó. Contam que Lana quis levar o boa pinta com ela, pra Hollywood. Mas o romance foi cortado pelas agruras dos tempos de conflito mundial…

         Pois muito bem, mas estamos falando do Errol Flynn e o ator do “Robin Hood” dirigido por Michael Curtiz, acho que em 1938, chegou à Belém a bordo do seu iate particular. Vinha, procedente do Caribe, acompanhado de certo staff, e até algumas gurias; só que, ancorado ao largo do porto da cidade, o ator resolveu, certa noite, visitar a Zona do Meretrício. Mandou para a melhor pensão do chamado “quadrilátero do pecado” um grupo precursor, a fim de organizar tudo auxiliados por diplomatas do Consulado Americano. Tanto que, quando chegou, de porre, todas as garotas da casa, fechada especialmente, permaneciam colocadas de costas para a parede da sala, a fim de que o grande astro apontasse aquela com quem ficaria. Dito e feito, a escolhida foi Raimunda Bastos, que ele levou para o quarto e lá ficou até a noite do dia seguinte.

         A grande verdade é que o efeito das muitas horas d’amor com o famoso galã transformaram completamente a vida da moça. Tanto que quando a conheci, muito tempo depois, já nos anos cinqüenta, ela permanecia na mesma pensão, e fora batizada como “a mulher do Errol Flynn”. Por causa disso só atendia a seleta freguesia. Muitos vinham dos Estados vizinhos para, digamos, merecer seus favores.

          Pintando, afinal, a decadência, os tempos ficaram mais duros, porém a moça não perdeu a classe. Tanto que certa noite, já nos anos 60, vi a reação dela diante de um marinheiro bêbado que queria arrastá-la para a cama:

         — Tá pensando o que, idiota? Tu achas que essa bainha aqui, onde o Robin Hood enfiou a espada vai se passar para um tipo da tua laia?

         Grande Raimundinha, “a mulher do Errol Flynn”. Morreu rondando os 90 e lá vai fumaça, na casa comprada com os dólares que o ator lhe deu, na lendária noite. Sobrevivia com pensão da Previdência, bem acima da média, que um ex-governador, apaixonado, lhe arranjara. Saudades eternas.

______________________________________________________

Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

___________________________________________________________________

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter