Roberto Marinho. Por José Paulo Cavalcanti Filho
… Dr. Roberto sempre tomou posição nos grandes problemas nacionais. Por exemplo apoiou Getúlio, em 1930. Ficou contra a tese da neutralidade, na Segunda Guerra, entendendo que o país deveria estar com os aliados. Apoiou a redemocratização do país. Em 1964, apoiou o Golpe militar. Só bem mais tarde, em 2013, as organizações Globo reconheceriam ter sido um erro acompanhar a Ditadura…
Nasceu no Rio de Janeiro (03/12/1904). O pai fundou, em 1911, o jornal A Noite. E, em 1925, O Globo. Morto poucos meses depois, em 21/08 deste mesmo ano, a empresa coube ao dr. Roberto. Por decisão da mãe, Francisca Pisani Barros. Em seu Discurso de Posse, reflete sobre esse tempo: “O mestre que iniciou a minha formação de jornalista foi Irineu Marinho, meu pai”. Mesmo tão jovem, com 20 anos apenas, compreendeu que não poderia ocupar o lugar do pai, naquele momento, como responsável pela edição do jornal. Razão pela qual nomeou, como Diretor Chefe, o experiente jornalista Euclydes de Mattos. Só com a morte deste em 1931, e já então com 26 anos, assumiu o posto que era por direito seu.
Dr. Roberto sempre tomou posição nos grandes problemas nacionais. Por exemplo apoiou Getúlio, em 1930. Ficou contra a tese da neutralidade, na Segunda Guerra, entendendo que o país deveria estar com os aliados. Apoiou a redemocratização do país. Em 1964, apoiou o Golpe militar. Só bem mais tarde, em 2013, as organizações Globo reconheceriam ter sido um erro acompanhar a Ditadura. Em 1985, a princípio, ignorou manifestações populares a favor das Diretas Já. Mas, desde o Comício da Candelária, passou a apoiar. E, bom lembrar, estava com Tancredo, e não Maluf.
Seu sistema de comunicação crescia. Em 1944, foi a criação da Rádio Globo. Em 1953, a TV Globo do Rio. E, em 1977, a Fundação Roberto Marinho, que proporcionou benemerências às artes, às ciências, às letras. Em 1952 representou o Brasil, como delegado, na VII Assembleia Geral da ONU, dedicada aos Direitos Humanos. Em 1983, recebeu o EMMY, como Personalidade do Ano em Televisão, concedido pela Academia Nacional de Televisão, Artes e Ciências dos Estados Unidos. E, em 1987, a Revista Forbes considerou ser “o homem mais poderoso do Brasil”.
A redação do jornal era seu templo. Um ambiente sagrado, à parte do mundo exterior. “E o que jurar pelo templo, jura por ele e por aquele que nele habita” (Mateus 23,21). Com dr. Roberto no papel de sumo-sacerdote, responsável por tudo que se passava por lá. A imagem talvez seja forçada. Mas espelha bem a especial relação que tinha com seus jornalistas, sobretudo nos negros tempos da Ditadura. Seguem alguns exemplos. Quando, no governo de Castelo Branco, o Redator-Chefe de O Globo foi pressionado a entregar nomes dos empregados ligados à esquerda, dr. Roberto interferiu, tomou para si as responsabilidades e mandou relação com nomes de todos os funcionários da empresa. Um general ligou de volta, “O senhor me mandou a folha de pagamento…”. E dr. Roberto “Quem tem que descobrir os comunistas não sou eu, são vocês”.
Juraci Magalhães, ministro da Justiça de Castelo Branco, enviou ao jornal relação com nomes dos que “não poderiam trabalhar em postos importantes da redação”. Dr. Roberto devolveu a lista com um bilhete, junto, que entrou para a história do jornalismo brasileiro: “Ministro, vocês cuidam dos seus comunistas, que dos meus comunistas cuido eu”.
Outra história envolve o Chefe de Redação Henrique Caban, em 1974. Os órgãos de informação deram ciência, a dr. Roberto, de que ele ajudava familiares de dois presos políticos, ligados ao Partido Comunista. Tudo comprovado por cheques, de Caban, depositados em suas contas bancárias. E pediram que fosse demitido. Dr. Roberto chamou Caban para conversar. “Você está ajudando esse pessoal do Partido Comunista?”. “Estou, dr. Roberto, eles me protegeram, no passado, quando eu precisei”. “Mas Caban, você tem que transferir os recursos usando cheque? Não pode ser dinheiro?”. Podia, claro. E assim passou a ser, depois dessa conversa. Valendo lembrar que dr. Roberto se esqueceu de dar notícia, aos militares, das providências que tomou. E tudo continuou como dantes, para usar o provérbio português, no Quartel-General em Abrantes.
Josué Montello, no Discurso de Recepção, confirma que ele “deu continuidade ao jornal que Irineu Marinho criou, sabendo que um jornal não constitui propriedade exclusiva de quem o comanda. Porque é, sobretudo, patrimônio de seu público. De quem o lê. De quem nele se louva. De quem diariamente se debruça sobre ele, e o interroga, e nele recolhe a opinião do jornal, transformando-a em opinião pública”. Dr. Roberto, no seu Discurso de Posse, completou lembrando “William Allen White, o editor de maior influência nos Estados Unidos, que punha de lado as hipóteses e as conjecturas. Poucos adjetivos. Poucos advérbios”. Franklin de Oliveira confirma, “Roberto Marinho tinha o domínio completo do fazer jornalístico. Chegava à redação às 4 horas da manhã e só a deixava à noite. Encarnava as três qualidades designadamente importantes, segundo Max Weber, para definir a personalidade do homem público: sentido de responsabilidade, senso de proporção e paixão”. Em seu único livro (1992), Uma trajetória liberal, disse da fé “que tinha no Brasil, um país de dimensões continentais, distribuído entre regiões distantes e distintas, ainda que indissoluvelmente ligadas por uma quase milagrosa unidade nacional”.
Poucos sabem mas dr. Roberto se dedicava, também, aos esportes. Em 1933, disputou prova automobilística na estrada de Petrópolis com um carro da marca Voisin. No final dos 1930, surpreendeu a todos com vitória no hipismo, conduzindo o cavalo Arisco. Não foi sua única. Também venceu, no Hipódromo da Gávea, com Plumazo, Tupã e Laborioso. Além de quebrar o recorde brasileiro de salto com Joá, em 1945. Sem contar que praticou caça submarina até os 80 anos. Por isso, nas conversas da redação, nunca dizia “quando eu morrer”. Era, sempre, “se eu vier a faltar”.
Em 1993, foi eleito membro nesta Academia de Letras. Até quando, traído pelo coração, morreu no Rio (06/08/2003) com 98 anos. Editorial de O Globo, no dia seguinte à sua morte, testemunhou: “Com ele, aprendemos a lição mais importante: a obra de Roberto Marinho partiu de um ideal dele, mas só pôde ser concretizada porque foi o resultado de uma aliança entre jornalistas, artistas, escritores, profissionais da cultura e o povo brasileiro. Não somente preservar, mas ampliar essa obra é o nosso compromisso. E ela será ampliada, não apenas porque este é o nosso desejo, mas porque pretendemos manter intacta esta aliança que a originou. Esta é a nossa intenção, esta é a nossa determinação, este é o nosso compromisso”.
P.S. Trecho do Discurso de Posse lido, em 10/06/2022, na Academia Brasileira de Letras.
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José Paulo Cavalcanti Filho – É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife. Eleito imortal para a Academia Brasileira de Letras, cadeira 39.
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