ESPECIAL. Barcelona, 6 de julho de 1982. Blog do Mário Marinho
ESPECIAL – EXCLUSIVO
Barcelona, 6 de julho de 1982
A HISTÓRIA DA CAPA HISTÓRICA DO JORNAL DA TARDE E COMO ESTÁ AQUELE MENINO, 40 ANOS DEPOIS DA DERROTA DO BRASIL NA COPA DE 1982, BARCELONA, ESPANHA
Pra quem gosta de futebol e já tem alguns anos de vida, essa data é lembrada pela tragédia de Sarriá: o dia que a maravilhosa seleção comandada por Telê Santana foi eliminada da Copa de 1982, disputada na Espanha.
Pra quem vive do jornalismo esportivo, a data fatalmente levará àquela capa do Jornal da Tarde, um revolucionário jornal de São Paulo, com o garotinho de peito estufado ostentando a camisa da Seleção Brasileira. Ele contém o choro, o que é mais sofrido, e mostra o orgulho de ser brasileiro.
Pra quem era jornalista do Jornal da Tarde e tomou a decisão de publicar a foto, a data é inesquecível.
É o meu caso. Fui convidado a palestrar pra estudantes de comunicação e conceder muitas entrevistas.
Vai chegando o 6 de julho, principalmente em anos de Copa, e passo a ser procurado para falar da foto.
Pra quem é fotógrafo e não só viveu aquele momento, mas foi o autor do clique daquela foto, ela, a foto, faz parte da vida e foi motivo de muitos prêmios jornalísticos. É o caso do fotógrafo Reginaldo Manente.
Pois bem, hoje, 40 anos daquela capa histórica, tive o prazer de conhecer (telefonicamente) aquele garoto, o hoje doutor José Carlos Vilela Jr., advogado de renome em Florianópolis (Santa Catarina) que vem a ser o garoto que emocionou e emociona quem viu e que vê agora aquela capa do Jornal da Tarde.
Ela tem história.
Eu era o editor de Esportes do Jornal da Tarde naquela data.
Assisti a Brasil 2 x 3 Itália em casa. Foi o único jogo do Brasil a que assisti em casa – todos os outros foram na redação.
A Seleção Brasileira, comandada por Telê Santana, era cantada em verso e prosa no mundo futebolístico por sua espetacular atuação naquela Copa. Os apaixonados jornais esportivos espanhóis, diziam que aquela seleção era de outro mundo.
E aconteceu a desclassificação que ninguém imaginava.
Chegando à redação, entrei em contato com Roberto Avallone, que era meu sub no JT, e conversamos sobre a cobertura.
Eu exigi um tratamento muito respeitoso para com a Seleção. Nem pau por ter sido desclassificada, nem melodramas – mas respeito.
O Avallone, que já havia conversado com os repórteres, disse que esse era o espírito de todos. Ótimo.
Recebi o espaço destinado à Edição de Esportes, creio que 12 páginas, fiz a distribuição por assuntos e me reuni com Sandro Vaia e Anélio Barreto, dois importantes editores que estavam emprestados ao Esporte.
(Essa era uma marca do JT. Quando um assunto precisava de cobertura especial, aquela editoria recebia reforços. Podia ser política, noticiário internacional ou qualquer outro. Naqueles dias, era o Esporte com a Copa da Espanha. Daí, a presença dos dois reforçando o meu time de profissionais que já era muito parrudo).
Quando conversávamos chegaram as radiofotos da Espanha.
Fui olhando e passando uma por uma aos dois companheiros. Uma me chamou a atenção. Disse a eles:
– Eis foto da nossa Capa.
Mostrei a eles uma foto em que aparecia um menino, com uma senhora ao lado. Sua expressão de dor me chamou a atenção.
Sandro me perguntou:
– Qual a sua ideia?
Peguei um lápis de cera que usávamos para indicar cortes em fotos e fiz um corte para deixar o menino sozinho na foto, aproximando a sua expressão.
Em seguida, pedi ao José Bento Lenzi que era o chefe do departamento fotográfico, que ampliasse ao máximo aquela foto.
Quando a foto chegou quase do tamanho de uma página de jornal, foi uma porrada. A foto emocionou todo mundo. Sandro Vaia me perguntou o que eu estava pensando da Capa.
Mostrei a ele que a foto ocuparia toda a página.
– E a manchete? – ele quis saber.
– A manchete é a cara do menino.
– Não vai ter manchete? Vai ficar do caralho!
Depois da página devidamente diagramada, o Fernando Mitre, que era o Redator Chefe, me ligou:
– Marinho, sei que você tem aí uma foto que não me mostrou.
– Mitre, eu tenho, mas, é a Capa da Edição de Esportes.
Mitre foi até à minha mesa, viu à foto e decidiu:
– Vou levar. Vai ser a capa de amanhã.
Protestei.
– Peraí, você não vai levar. Você vai colocar manchetes de outros assuntos, de política, de polícia, de trânsito… isso vai matar a foto.
– Não vou levar só a foto. Vou levar a página.
E assim a minha página virou Capa do Jornal da Tarde naquele dia.
E se tornou uma das páginas icônicas do jornalismo brasileiro. Até hoje, 40 anos depois, ela é lembrada e discutida.
As 17 fotos que recebi, vinda da Espanha, eram de autoria do Reginaldo Manente e do Alfredo Rizutti.
A do garoto era do Manente.
Reginaldo Manente é – ou foi, está aposentado – um dos maiores fotógrafos de foto jornalismo que conheci. Como poucos, Manente soube viver e captar o espírito Jornal da Tarde. O JT era exigente. As matérias, as fotos, a diagramação – tudo – tinha que ser diferenciado: o enfoque, o texto, a edição, a foto.
Manente não se contentava – e nunca se contentou – com um ângulo normal, corriqueiro, de uma foto.
Quando Pelé se despediu do futebol brasileiro, no dia 2 de outubro de 1974, todos os fotógrafos presentes à Vila Belmiro (o jogo foi contra a Ponte Preta) fotografaram Pelé ajoelhado no meio do campo, com os braços abertos, em agradecimento à torcida.
Todos, menos um: Reginaldo Manente estava no vestiário do Santos e foi o único a fotografar Pelé em lágrimas, tirando a camisa e pendurando-a na porta do seu armário.
Naquele dia, na Espanha, assim que terminou o jogo, enquanto os outros fotógrafos miravam suas potentes lentes para os jogadores que saiam de campo, Manente estava de costas para o gramado, procurando algo que pudesse ser fotografado bem ao estilo Jornal da Tarde.
E encontrou o garoto.
Lá na Espanha, o garoto Jose Carlos Vilela Jr. assistia ao jogo ao lado da mãe. Ele é filho do José Carlos Vilela, famoso advogado carioca, que ficou conhecido como o Rei do Tapetão por nunca perder uma causa envolvendo o time do seu coração, o Fluminense.
O garoto José Carlos havia completado 10 anos uma semana antes do jogo contra Itália.
Viu o Brasil passar apertado e vencer a Rússia por 2 a 1. Dar um baile na Escócia, 4 a 1. Repetir o baile contra a Nova Zelândia, 4 a 0. Passar por cima da feroz Argentina, viu Maradona ser expulso e a vitória brasileira: 3 a 1.
Aquele era o dia de enfrentar a Itália que não havia vencido ninguém até então.
E deu-se o desastre: perdemos por 3 a 2. Paolo Rossi foi o nosso carrasco: fez os três gols.
Júnior segurou o choro, manteve o peito estufado e o queixinho constrito. A receber o abraço da mãe, desatou a chorar.
E ela tentando consolá-lo.
– Chore não, meu filho. O Brasil vai para repescagem. Ainda vai jogar. – Dizia ela com piedosa mentira.
– Vai não! Vai nada! Acabou, acabou tudo!
Pouco depois, a foto já estava na redação do Jornal da Tarde e do Estadão, transmitida via rádio.
No dia seguinte, a primeira página do Jornal da Tarde, estampada nas bancas de jornal, causava comoção.
Nos dias que se seguiram, a redação do JT recebeu enxurrada de cartas para comentar aquela foto. Naqueles tempos, não havia o zap para facilitar o envio de mensagens. Nem o fax havia sido inventado.
Para mandar uma carta, era preciso escrever, colocar num envelope e levar até uma agência de correio. E, claro, pagar pelo envio dela.
Mesmo assim, as cartas choviam na redação do JT.
Eu passei a dedicar uma página, diariamente, para publicar as cartas. O título da página era.
José Carlos Vilela, o pai e o júnior, não sabiam de nada disso.
Quadro anos depois, às vésperas da Copa do Mundo, um amigo do Vilela pai, que morava em São Paulo, assistia a um programa de tevê, tipo mesa redonda, em que foi exibida a página do Jornal da Tarde.
Como ele estava com a família Vilela na Espanha, reconheceu o garoto e telefonou para o pai.
Daí para a frente, a vida do garoto tomou outra movimentação. Ele conta:
– Eu e meu pai passamos a dar entrevistas primeiramente para jornais cariocas. Depois vieram veículos de outros estados. E, mais tarde, de outros países. Até participei de um comercial do cartão Visa, feito aqui no Brasil, ao lado do Paolo Rossi.
A partir de 2003, pouco depois da morte do pai, o já advogado José Carlos, pai de dois filhos, mudou-se para Florianópolis, onde se estabeleceu como advogado e hoje tem seu próprio escritório.
No escritório, uma foto daquele garoto forte, de peito estufado, orgulhoso com a camisa do Brasil e, contendo, com muito esforço, o choro que o queixinho constrito anunciava.
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Mário Marinho – É jornalista. É mineiro. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.
(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)
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