O Garrincha do Planalto. Coluna Carlos Brickmann
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE DOMINGO, 3 DE JULHO DE 2022
Parece incrível, mas há algumas semelhanças entre Mané Garrincha, um dos grandes craques do futebol brasileiro, e o presidente Bolsonaro. E muitas diferenças: Garrincha não guardava ódios, Bolsonaro guarda; Garrincha era índio, Bolsonaro disse, em 2020, que índio ainda não é um ser humano igual a nós, mas está chegando; Garrincha era de Pau Grande, Bolsonaro não. Mas os dois têm admiradores fanáticos, geraram muitos filhos, optaram pela extrema direita, fizeram o que quiseram. Como Garrincha, que chamava todos os marcadores de João, e os ignorava, Bolsonaro não precisa saber o nome de quem o combate: todos falam mal, mas fazem o que ele quer.
Lula, PSDB? Os últimos tucanos (com a solitária oposição de José Serra) votaram junto com a bancada do PT e do PSB: obedecendo ao Governo. Em tempo recorde, o Senado aprovou por quase unanimidade uma emenda constitucional que permite agradar o eleitor com dinheiro público. Em má posição nas pesquisas, Bolsonaro recebeu de presente a chance de chegar ao segundo turno. Pela lei, é proibido oferecer benefícios aos eleitores pertinho da eleição. Criaram então um “estado de calamidade” causado pela guerra na Europa. A coisa é tão descarada que o benefício aos eleitores só vale até o fim do ano. No ano que vem, que morram de fome, com a alta da inflação.
Bolsonaro agrada os caminhoneiros com o vale-diesel, dá uma graninha para quem tem carro, e tudo isso com os votos da assim chamada oposição.
A tal calamidade
A Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro, há pouco mais de quatro meses. A inflação come solta há quase um ano. Os caminhoneiros reclamam do preço do diesel desde o governo Temer, há mais de quatro anos. E agora é que surge a calamidade?
Sim: as eleições estão chegando. E a calamidade tem data certa para acabar, 31 de dezembro. Então, tá. A gente acredita.
Teto solar
Governo e Congresso olham o céu, em Brasília, e se impressionam com a beleza do cenário, que para eles, bem pagos e bem postos, demonstra que o Paraíso existe. Só não percebem que essa bela vista demonstra uma coisa a mais: que, na vida real, o teto já não existe.
Atos e fatos
Ele só seguiu as normas: conservador nos costumes, liberal ao lidar com mulheres submetidas às suas ordens. A mão que nas horas vagas controla o dinheiro dos “pacotes de bondades” é a que manipula poupanças e cofrinhos. Terrivelmente religioso, no trabalho estimula doações: ou dá ou desce.
Eterna vigilância
E é bom acompanhar o caso do ex-presidente da Caixa, Pedro Guimarães. Se de repente baixam aí um sigilo de cem anos no inquérito, nem a rainha Elizabeth saberá o que é que aconteceu. Guimarães deve ter amplo direito de defesa, mas o processo deve andar normalmente e definir se ele é culpado ou não. Apesar das muitas acusações, até o julgamento presume-se a inocência.
Todos juntos, vamos
Sejamos claros: tudo o que ocorre em Brasília, hoje, não tem qualquer outro objetivo exceto a eleição. E isso submete o Governo, qualquer que seja o eleito, à lógica da chantagem: se não pagar corre o risco de cair, se pagar continua correndo o risco, a menos que concorde em pagar outras vezes.
Voto caro
Cada candidato à Presidência da República poderá gastar R$ 88 milhões no primeiro turno (em 2018 eram R$ 70 milhões). Quem for para o segundo terá mais 44 milhões para gastar (em 2018, foram 35 milhões). Tudo, claro, dinheiro público. Dá para estranhar que haja tantos partidos no Brasil?
A sorte do convidado
Já estava tudo marcado: amanhã, segunda, Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente de Portugal, se reuniria com Bolsonaro no Palácio do Planalto. Mas Bolsonaro ficou irritado com o presidente português porque ele também deverá, hoje, se encontrar com Lula, e suspendeu o encontro.
Pensar com o fígado dá nisso: por motivo semelhante, Bolsonaro não recebeu um enviado francês, apesar da reunião marcada, e se fez fotografar cortando o cabelo. Só que tanto a França como Portugal fazem parte da União Europeia, com quem o Brasil, como parte do Mercosul, tenta inutilmente colocar em prática um acordo comercial negociado por vinte anos. Para o dirigente português, foi um golpe de sorte: quando almoçou com Bolsonaro, teve de ouvir piadas e comentários de cunho sexual, pouco usuais em reuniões entre estadistas.
Fascismo de esquerda
Três políticos do Partido Novo, o deputado estadual Fernando Holiday, que deve se candidatar a federal, e dois pré-candidatos à Assembleia, Lucas Pavanato e Leo Siqueira, foram impedidos de participar de uma palestra na Universidade de Campinas pela União da Juventude Comunista. O grupo de baderneiros os cercou e tocou tambores para que não fossem sequer ouvidos.