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Cuidado com o sub do sub. Por José Horta Manzano

Moral da história:

Desconfie do sub do sub. Por mais alheio que ele possa parecer, ele também tem ouvidos para ouvir e boca para falar…

sub do sub

No Brasil, tirando algum analista mais comedido, as grosserias e o palavreado chulo que são marca registrada do capitão parecem não incomodar. Deve ser efeito da repetição. É como quem mora numa avenida movimentada que, de tanto ouvir barulho de caminhão, nem percebe mais que tem veículo passando. Ou de quem vive no eixo da pista de aeroporto movimentado, que acaba não se dando mais conta de que um avião rela seu telhado a cada 15, 10 ou 3 minutos.

Já nos States, tem disso não. A coleção de impropérios e palavrões deles é tão rica quanto a nossa, o problema não está aí. O fato é que, num país cuja certidão de nascimento foi assinada por um grupo de famílias devotas que estavam imigrando por motivo de perseguição religiosa, certas baixarias são reservadas para o âmbito privado; é inconcebível pronunciá-las em público.

A CPI que investiga o comportamento de Donald Trump nos dias que precederam a invasão do Capitólio de Washington, no ano passado, ouviu ontem uma moça jovem, assistente do chefe de gabinete do presidente. Ela encarna aquela figura meio invisível, que trafega livre e despercebida pelos altos círculos. Sua presença não intimida, de modo que ninguém policia muito as palavras diante dela, e as falas correm fluidas.

Pois foi essa senhora que, chamada a depor na comissão parlamentar, botou a boca no trombone. É que ouviu, da boca do presidente, um palavreado que – nos Estados Unidos – presidente não deveria ousar.

Não vou aqui repetir a notícia que todos já conhecem. O que me chamou a atenção foi, primeiro, o que disse Trump; segundo, como o palavrão foi estampado na mídia internacional

 O que ele disse

“I’m the effing president. Take me up to the Capitol now!”

“Effing” é a forma suavizada usada pela imprensa para evitar de escrever o original fucking, que, embora frequente na linguagem falada, é considerada ofensiva demais pra aparecer em jornal.

Pra saber o que o presidente disse exatamente, substitua-se effing por fucking.

Em espanhol

 “Soy el maldito presidente, ¡llévame al Capitolio ahora!”

Foi assim que saiu a maioria dos títulos em espanhol. Maldito, nesse caso, embora seja expressão pesada, não chega a ser tabuística.

Assim mesmo, o jornal El País, decerto pra não correr risco de ofender ninguém, mostrou que a moda do “politicamente correto” vem fazendo estragos em seu país e optou por omitir a palavra mais vulgar. Numa solução radical, suavizou:

“Soy el presidente de Estados Unidos, ¡llévenme allí!”

 Em alemão

A imprensa alemã utilizou expressão corrente na língua. Curiosamente, trata-se da tradução do mesmo “maldito” espanhol. Ficou assim:

 “Ich bin der verdammte Präsident, bringt mich zum Capitol”

Em italiano

Os italianos aproveitaram a ocasião. Usaram uma palavra que trota na cabeça de todos, mas que só vem à boca depois que as senhoras tenham deixado a sala. É cazzo (= cacete).

 “Sono il cazzo di capo, vai al Campidoglio!”

Em francês

Os franceses fizeram como os italianos – idem com batatas.

“Je suis le putain de président, amenez-moi au Capitole tout de suite!”

A palavra tabuística lembra a nossa versão, dado que usa um substantivo que não faz sentido lógico naquela posição, mas denota exasperação e traz carga ameaçadora. Putain = puta.

Em português

No Brasil, a mídia deitou e rolou. Alguns veículos deram a letra inicial do palavrão seguida por estrelinhas, forma antiga de dizer sem dizer. Mas a maioria mandou ver:

 “Eu sou a porra do presidente, me leve para o Capitólio agora!”

(Se o linguajar lembrar certas falas presidenciais nossas, será mera coincidência.)

Já em Portugal, a grande imprensa preferiu uma saída à moda de El País:

“Sou o presidente, leve-me ao Capitólio agora!”

Não dói no ouvido, mas também não transmite o estado furibundo em que se encontrava Trump.

Em holandês

Na Holanda, país em que grande parte da população fala, além da língua do país, inglês fluente, a expressão inglesa não dá medo a ninguém.

“Ik ben de fucking president, breng me naar het Capitool, nú.”

pandora 

Moral da história

Desconfie do sub do sub. Por mais alheio que ele possa parecer, ele também tem ouvidos para ouvir e boca para falar.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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