A fome que envergonha o Brasil. Por João Zisman

Publicado no site Contexto Exato - Edição de 22 de junho de 2022
https://www.contextoexato.com.br/post/a-fome-que-envergonha-o-brasil20220622

A fome afeta e diz respeito a todas as pessoas, isto é fato. Como é possível assistir e conviver com a realidade mais cruel da existência humana? A fome é igual em qualquer canto do mundo: gente igual a gente, porém com aparência esquálida, olhos esbugalhados, barrigas dilatadas, buchos vazios e esqueletos à mostra, embalados pelo choro do desespero. De nada adiantam os lamentos daqueles, cuja indignação pela condição desumana, não conseguem reunir forças e coragem para promover uma revolução objetiva, capaz de unir solidariedade e ação em prol de uma solução definitiva para curar o mal tão persistente quanto as pestes que dizimam povos de tempos em tempos.

Atribuir a miséria às condições naturais, climáticas e étnicas, é uma falácia combatida ainda em 1946 pelo pernambucano Josué de Castro. Segundo esse médico e cientista, que exilado em Paris, lecionou em Sorbonne e foi indicado três vezes ao Prêmio Nobel: Medicina, em 1954, e Paz, em 1963 e 1970, o flagelo da fome é o estatuto político e científico de produto de estruturas econômicas e sociais desumanas, fabricado por homens contra homens. Geografia da fome, sua obra mais importante, tornou-se um tratado mundial para a análise do subdesenvolvimento. Para ele “fome e subdesenvolvimento são as mesmas coisas”; merenda escolar e agricultura familiar formam o binômio capaz de combater a subnutrição infantil, segundo Josué.

Passados pouco mais de 40 anos da obra de Josué de Castro, outro pernambucano se debruça sobre a fome e suas mazelas. Meraldo Zisman, médico, escritor, Doutor em Medicina pela Universidade de Bristol (Inglaterra) e professor titular de Clínica Pediátrica Médica na Universidade de Pernambuco, reforça o estudo de Castro e conclui que a questão da fome no Brasil não se limita aos efeitos das intempéries climáticas, mas sim, pelos problemas que se iniciam com a má distribuição de alimentos, aliada as grandes quantidades desperdiçadas nos centros urbanos. Sua obra, “Nordeste Pigmeu, uma geração ameaçada”, confere à subnutrição o poder de extermínio.

Impressionante que quase 80 anos depois, o Brasil continua no mapa da fome mundial com uma população de mais de 33 milhões de famélicos, de acordo com a segunda edição do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN), que analisou dados coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022, a partir da realização de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos nos 26 estados e Distrito Federal.

Ainda de acordo com o II VIGISAN, em 2021/2022, 125,2 milhões de brasileiros/as não tinham certeza se teriam o que comer no futuro próximo.

Mesmo com dados tão alarmantes e chocantes, o estudo constata que a fome quase desaparece com a renda de 1 salário mínimo por pessoa. Observe que a não se trata de renda familiar, mas sim de renda individual. E não adianta jogar todas as “fichas” nos benefícios sociais para frear a fome, o país precisa de postos de emprego.

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JOÃO ZISMAN – jornalista e economista

[Referências:]
i) https://olheparaafome.com.br/
ii) Nordeste Pigmeu, uma geração ameaçada; Prof. Meraldo Zisman, Editora; OEDIP, 1987
iii) Geografia da Fome; Josué de Castro – 1946