Com vilão, não! Por Silvia Zaclis
… Gente que eu não via há décadas! Estavam lá Madame Min, Maga Patalógica, o Mancha Negra, alguns irmãos- metralha, o João Bafo-de-Onça, o Capitão Gancho, Cruella, o Caveira, o Gargamel, a bruxa da Rapunzel. Tão comportados, em fila indiana, nem pareciam os vilões que são.
Hoje estava saindo de casa quando dei de cara com uma fila enorme. Todos esperando para falar comigo! Gente que eu não via há décadas! Estavam lá Madame Min, Maga Patalógica, o Mancha Negra, alguns irmãos- metralha, o João Bafo-de-Onça, o Capitão Gancho, Cruella, o Caveira, o Gargamel, a bruxa da Rapunzel. Tão comportados, em fila indiana, nem pareciam os vilões que são.
Quem fez as honras foi a Cruella, que se aproximou com aquele andar de gata falsa, apresentando-se como porta-voz do coletivo “Personagens em busca de uma Causa”. Segundo ela, a visita da trupe foi decisão unânime e tinha como missão redimir a classe dos personagens infantis.
“Soubemos que, há alguns dias, a Carochinha se negou a participar de um artigo sobre a situação aí no seu país porque não aceitava ‘dourar a pílula’ num momento de tal gravidade. Pois nós rapidamente nos mobilizamos e viemos até aqui oferecer nossos préstimos. Aceitamos participar de qualquer texto que fale da situação da política aí de vocês.”
Fiquei agradecida, não nego, e convidei a turma para uma aguinha gelada. Mas aquilo tudo estava muito estranho. Cadê os arquivilões – as bruxas da Cinderela, da Bela Adormecida, da Branca de Neve e muitos outros com seus corvos malvados?
Papo vai, papo vem, fiquei sabendo que os ditos cujos super vilões formavam uma classe à parte. Para que a ignorante aqui entendesse, Cruella explicou que eles ocupam uma espécie de “banco de reservas” privilegiado; e que são escalados apenas em casos muito especiais.
A essa altura, eu não via a hora de eles irem embora; me desculpei, disse que tinha um compromisso … e que eu entraria em contato assim que definisse o texto e os personagens.
Foram saindo ainda em fila indiana- muito esquisito mesmo– até que ficamos apenas o Gargamel e eu. Ele, todo untuoso, veio se despedir e me entregar um envelope.
Quando ele saiu, passei álcool gel geral, abri as janelas e o envelope. Em papel timbrado, lia-se:
Prezada Senhora,
Segue em anexo lista de valores concernente à participação de nosso Coletivo em texto de sua autoria. O pagamento varia de acordo com o número de personagens contratados, o tempo de duração do projeto e, sobretudo, o teor da mensagem.
No momento atual, estamos oferecendo preços promocionais para textos ou audiovisuais favoráveis ao governo. Quanto mais favorável, menor o custo.
Já em caso de neutralidade política será cobrado o preço cheio, que poderá ser dividido em prestações até o mês de outubro. Mas, atenção! Caso o autor se proponha a criticar ou censurar os que hoje conduzem a política, será preciso acionar o pessoal do banco de reservas”. Desde já agradecemos… etc etc.
Nem deu tempo de ver a lista de preços, volta o Gargamel. Pede desculpas pelo incômodo, pois esqueceu de perguntar se eu tinha alguma dúvida sobre o teor da carta.
“Eu tenho uma pergunta”, disse. “Sou contra – muito contra- a política atual; devo então acionar a turma do banco de reservas para acertar o preço? “
Gargamel gargalhou: “Não, minha senhora, nesse caso nós vamos acionar o banco, e eles vão fazer o que for preciso para convencê-la de que suas opiniões são inaceitáveis ”.
“Ah…” – foi o que consegui responder.
Amanhã vou mandar um WhatsApp desaforado para a Carochinha.
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SILVIA ZACLIS – É JORNALISTA