Falou pouco, mas bem. Por José Horta Manzano
O Estadão de hoje traz o relato de uma palestra dada por um antigo morubixaba do Google. O empresário americano ocupou o maior cargo da empresa de 2001 a 2011, o que não é coisa pouca.
Não conheço o grau de rotatividade de caciques no Vale do Silício. Permanecer por dez anos em função tão elevada me parece uma façanha. O homem deve ser bom mesmo.
Declarou:
O Brasil tem tudo, menos um governo estável. Vocês têm uma única língua, um país de 200 milhões de habitantes, uma cultura fantástica e são pessoas ótimas.”
Até aí, tudo tranquilo. Quem é que não gosta de receber flores?
E o figurão continuou:
Para mim, os problemas do Brasil são muito mais sobre as regras do governo. Conheci quase todos os presidentes brasileiros e acredito que vocês precisam de um jeito de ter um presidente e instituições experientes para evitar que mais presidentes acabem presos.”
O grifo das últimas palavras é meu. Não sei em que tom o palestrante as pronunciou, mas pouco importa: ele acertou o tiro. Em poucas linhas, mostrou ser bom conhecedor de nossos problemas.” Tudo está aí, resumido.
Vantagens e problemas
Na primeira frase, estão as vantagens. O país é habitado por um mundaréu de gente cuja língua de escola é a mesma, o que facilita enormemente as comunicações e as interações. É um privilégio observado com inveja por outros países.
Não temos conflitos étnicos. Essa história de “nós x eles” (inventada pelo lulopetismo e reforçada pelo bolsonarismo) é artificial. Existem fraturas sociais, como por toda parte, mas elas não podem ser resumidas a “nós de um lado, eles do outro”. A fórmula é vaga e redutora. Nós quem? Eles quem?
Na segunda frase do palestrante estão nossos problemas.
Presidente experiente
Que precisamos dar um jeito de eleger um presidente experiente é evidente verdade. Quem haverá de contestar? A Presidência não pode continuar sendo utilizada como pátio de recreação de aprendizes, como vem ocorrendo há duas décadas.
Que precisamos de instituições mais experientes é outra verdade. Eu diria até mais: que, além de experientes, sejam eficazes. Temos anomalias intoleráveis:
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- presidente com poder de anistiar correligionários,
- ministro do STF que dá entrevista pra divulgar sua opinião pessoal,
- deputados que fazem a festa com dinheiro extorquido do povo por meio de orçamento secreto,
- presidente da Câmara com poder de bloquear centenas de pedidos de impeachment,
- presidente da República que comete crimes de responsabilidade um atrás do outro.
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Tumor invisível
Essas mazelas que acabo de citar – e que, de tão acostumados que estamos, nos parecem inofensivas e naturais – são o tumor que ninguém quer ver. Um estrangeiro, que não pode ser acusado de ser petista nem bolsonarista, vê com maior clareza o que o brasileiro comum não consegue enxergar.
Nossas leis e nossos costumes políticos estão distorcidos e corrompidos. O debate político desapareceu. Não há mais argumentação. O que interessa é insultar, caluniar, demolir, desmontar, cancelar adversários (verdadeiros ou imaginários), tratados sempre como inimigos.
Se os dois principais candidatos à Presidência tivessem de enfrentar um exame tipo vestibular para avaliar a aptidão para o cargo, dificilmente passariam. Teriam de cair fora da lista de candidatos, o que seria um alívio para a República.
Um “Enem presidencial” tem de ser instituído para candidatos ao cargo maior. É o único caminho para termos um dia “um presidente que não acabe preso”.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.