Dona Carochinha – o Retorno. Por Silvia Zaclis
Estava Dona Carochinha posta em sossego quando ouviu ao longe um zunzum de vozes, galhos quebrados, um tramp-tramp de patas contra o chão… até que o barulho parou.
Logo alguém de passinho quase inaudível se aproximou de sua porta e bateu educadamente. Dona Carochinha foi atender e, surpresa, viu o Visconde de Sabugosa. Há tempos não ouvia falar dele, pensou que já estaria aposentado junto aos seus, no milharal do sítio.
O sábio sabugo foi convidado a entrar e sentou-se na poltrona ao lado da mesinha de bétula.
–Deixa eu te dar meu licor de jenipapo, disse a anfitriã, é revigorante, e o amigo parece cansado, abatido.
Com seu jeito professoral, o Visconde explicou que andava mesmo adoentado… doente da alma…
– Comadre, disse, fui contrário à ideia de procurá-la, pois respeito seu desejo de se recolher, cuidar das carochinhas, preparar doces e licores… a senhora merece. Mas fui convencido de que, tendo aqui uma pessoa tão experiente, justa, capaz, seria nossa obrigação vir consultá-la.
Entre um e outro golinho de licor, o sábio contou que na floresta reinava o caos, a clareira se parecia com um campo de batalha.
– Andamos sobre ovos, estão todos à beira de um ataque de nervos. Outro dia mesmo um marreco chamou o cisne de Sr. Pato, a comadre nem imagina a briga que isso causou, de arrancar as penas … e foi juntando gente. Mas ao invés de separar os dois, eles entraram na briga, os seguidores do Anta contra o os eleitores do Baiacu. Como se a floresta girasse em torno dessa eleição… Que pobreza política, comadre… E, na verdade, eles têm muito em comum: seguem cegamente seus eleitos e se acham melhores que os outros… Pretensão e arrogância, péssimos ingredientes para qualquer governo…
– Entendo sua preocupação… eu mesma acredito que aqui na floresta vivam muitos animais mais qualificados que esses dois. Mas não sei o que posso fazer para ajudar…
O sabugo precisou de um gole antes:
– Estou aqui como porta-voz da maioria, em busca de um candidato honesto, justo, capaz … pelo menos razoavelmente honesto, justo e capaz, sabe como são essas coisas… Em resumo, queremos que a comadre seja nossa candidata. Toda a bicharada que veio comigo até aqui aguarda sua resposta. Com certeza, D. Carochinha, sua excelsa presença daria fim a essa divisão que só beneficia um punhado de mamíferos.
Pensativa, Carochinha serviu mais uma dose de seu licorzinho à visita.
– Caro amigo, agradeço a lembrança de meu nome. Mas não posso me apresentar como “salvadora da floresta”, não existem candidatos providenciais, eleitos para redimir o povo. E com essa turma por aí, estaríamos só adiando o problema. Passa um tempo e eles voltam, veja o Baiacu, quem diria.
– Pois digo à comadre então que adie o problema, ganhe tempo … É urgente livrar-nos desse mal que destrói plantas e riachos, a terra e os animais, que despreza nossa cultura e envenena nossos valores. Livre-nos da ignorância, comadre – terminou o sabuguinho quase em prantos…
Dona Carochinha ainda não se decidiu. Mas foi o Visconde sair pela porta e ela abriu uma nova garrafa de licor.
Bebeu toda, do gargalo mesmo…
______________
SILVIA ZACLIS – É JORNALISTA
Parabéns!!! Quem sabe escrever com maestria, quem traduz nossos anseios e pensamentos torna-se um banho de cachoeira em nossas almas tão sofridas.
Bom saber que não estamos sós nos nossos sentimentos. União nesse momento é essencial…
Que deliciosa viagem pelo imaginário real. Quem conta um conto …..esclarece um ponto! Esta é minha mantra nas discussões com alunos! E ao invés de estimular o repeteco dou oportunidade para que escutem e irradiem a conversa das moléculas! Vc vai mais longe! Esclarece o dia a dia!!! AMEI
É muito gostoso criar histórias com personagens que estão no imaginário de todos nós, acho bem útil também entrevistar animais, muitos deles são absolutamente sábios.
Só bebendo no gargalo mesmo.
Infelizmente, anta ou baiacu a ressaca será homérica.
Pra mim, nem um nem outro. Vade retro!
Concordo. Essa demora em se estabelecer pelo menos um terceiro nome que possa concorrer com chances descreve bem a dificuldade que partidos e políticos têm de se unirem, com negociações e compromisso. É triste, eu me sinto refém de maquinações que não têm como objetivo o Bem comum. Têm como objetivo os bens… para uns e outros, é claro.
Prezada Sra. Silvia Zaclis,
Uma escritora com meu sobrenome e eu nem desconfiava ! Pesquisarei a fim de saber se pertencemos à mesma família. Seja como for, sinto-me orgulhoso de compartilhar com a senhora o mesmo sobrenome.
Sua história (ou estória ?) é curta na forma, mas profunda naquilo que relata. Onde podemos encontrar licores cujos preços ainda não foram atacados pela inflação ? Mas, pensando melhor, ficarei no vinho mesmo.
Parvis fabulis perdere potentes ignaros !
Dr. Leonel, vou precisar de tradução do Latim…
Os preços dos licores devem variar muito dependendo da sede do pessoal… Não tenho informações sobre o quanto inflacionados estão.
Quanto ao sobrenome, tenho certeza de que somos da mesma família, nossos pais vieram de Telenesti para o Brasil exatamente no mesmo dia!