Imunidade parlamentar. Por José Paulo Cavalcanti Filho
O risco desse tipo de posição é, em tese, qualquer declaração poder ser considerada como fala sem proteção da imunidade parlamentar. Qualquer uma. Antes, o Governo Militar. Agora, o Supremo. Antes, a Segurança Nacional…
Imunidades parlamentares, usando palavras de Georges Burdeau (Tratado de Direito Político), são “privilégios que garantem o livre exercício do mandato”. E correspondem a proteção contra atos estranhos às atividades parlamentares, como crimes comuns (“inviolabilidade”); ou ao cumprimento específico de suas funções (“irresponsabilidade”), como o direito de dar “opiniões, palavras e votos” – que está, na Constituição de 1988 (art. 53), com a mesma redação das anteriores (a de 1946, art. 44; a de 1967, art. 34).
Um direito indissociável da independência que deve ter, o parlamentar, no exercício do mandato. Em paridade com o que ocorre em todos os outros países como Espanha (art. 71 da Constituição), França (art. 26), Itália (art. 68), Japão (art. 51). Única exceção é Alemanha (art. 46), onde parlamentares respondem sempre que ocorra “injúria infamante”. Em quase todo lugar, um direito amplíssimo. Com algumas curiosidades, como Inglaterra e Estados Unidos. Em que o mesmo direito que tem cada parlamentar de dizer o que quiser, sem ser processado, tem também qualquer cidadão para falar do poder, se estiver em local público e com os pés fora do chão – devendo por isso falar sobre bancos, caixões, em prosaicos lenços ou mesmo apenas dando pulos.
Ocorre que, na Ditadura, o Governo Militar estabeleceu um limite. Não podia falar em censura, torturas, mortes, nem contra a Segurança Nacional. E quem decide o que seria uma ameaça a dita Segurança Nacional? O próprio Governo Militar, claro. Em resumo, parlamentares não eram livres para dar opiniões. Simples assim.
Problema é o risco de acontecer, hoje, o mesmo. A regra do limite continua; só que, em vez do Governo Militar como polícia, agora é o Supremo. E o tema são atos por ele considerados “antidemocráticos”. Semana passada, foi o senador Kajuru, que definiu certo Vanderlan Cardoso como “idiota, inútil, pateta bilionário, senador turista”. Como, aos olhos do Supremo, as ofensas estão fora da imunidade, o Senador pode acabar preso.
O risco desse tipo de posição é, em tese, qualquer declaração poder ser considerada como fala sem proteção da imunidade parlamentar. Qualquer uma. Antes, o Governo Militar. Agora, o Supremo. Antes, a Segurança Nacional. Agora, o que o Supremo quiser. Igual. Exatamente igual. Isso é bom ou ruim para a Democracia?, eis a questão.
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José Paulo Cavalcanti Filho – É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife. Acaba de ser eleito para a Academia Brasileira de Letras, cadeira 39.
Imunidade Parlamentar, que muitos de nós prefere chamar de Impunidade parlamentar, permite ao Parlamentar dizer que o Presidente é feio, mau administrador, incompetente etc. Não pode chamar de ladrão, ninguém pode dizer que outro e ladrão, pode acusar e para acusar há de haver provas da má conduta (como se isto fosse bastante no Brasil para Parlamentar).
Não pode, sob nenhuma hipótese, ameaçar como o tal “parlamentar” fez, ou como outros ameaçam não respeitar as urnas; parecem direito de opinião, mas é ameaça. Caso fosse ameaçado pelo tal, ou qualquer outro, de levar uns tapas, armado respondo com bala, Direito Constitucional de auto-defesa; superior ao da “opinião”.
Liberdade é algo que termina quando começamos a invadir espaço dos outros.