Tout vas très bien. Por Silvia Zaclis
Uma sensação estranha de que o gato já subiu no telhado; está lá, esperando.
Como aquela antiga canção francesa “Tout vas très bien, madame la Marquise”…. Madame telefona para seu mordomo, James, e pergunta como estão as coisas na propriedade. O mordomo assegura que tout vas bien, ou melhor, très bien…
Papo vai, papo vem, ele vai revelando as novidades. “E meu lulu favorito, como vai?” “Infelizmente, madame, houve um pequeno acidente, e totó morreu no incêndio. Mas fique tranquila, tout vas très bien…” “Incêndio? Que incêndio?” “Ah, foi uma coisinha de nada, madame, seu marido pôs fogo na casa quando descobriu que perdeu toda sua fortuna… Mas de resto, tout vas bien…”
E assim a coisa continua entre o funcionário otimista e sua patroa. No final, madame percebe que não sobrou nada… Não chega a ser divertido esse humor negro…
Em certos momentos, tenho me sentido um pouco como um James que tem medo de perder o emprego e por isto se engana encobrindo o desastre com uma visão otimista e bem-humorada.
Na maior parte do tempo, no entanto, sou madame la marquise que, verdade seja dita, deveria ter percebido que o desempenho do senhor marquês não andava lá dessas coisas. Agora é tarde demais…
E o gato?
Está lá no telhado, com certeza. Subiu desde que o presidente “indultou” um deputado que foi condenado à prisão e à perda do mandato pelo próprio Supremo tribunal do país. O crime – atos contra a democracia e o STF- foi demonstrado pelo juiz Alexandre de Moraes, que citou algumas das falas do acusado, entre elas: “Quando bater um cabo e um soldado na porta de vocês, não adianta fechar a porta, não. Vai ser arrombada. As Forças Armadas podem sim intervir, é o que nós queremos.”
Agora a Câmara indicou o ex-acusado para diversas comissões da Casa – inclusive a de Constituição e Justiça, mostrando seu respaldo ao ato do presidente, todos unidos no desagravo à tal pessoa.
Se o governo é composto por 3 poderes, e dois deles se juntam contra o terceiro, quem é que vai defender os direitos de madame, do mordomo, dos juízes, da democracia?…
O gato é que não, só está esperando a hora certa para dar o bote.
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SILVIA ZACLIS – É JORNALISTA
Sra. Silvia, bom resumo de nosso momento.
Tenho 70 anos e, creio ter vivenciado momentos conturbados no nosso eterno ” país do futuro”, além de ser leitor voraz principalmente de livros sobre nossa história..
Nada se compara ao atual; temos um presidente que não preside -vive de passear ora no mar, ora na terra – e, a cada momento espinhoso inventa uma crise para que mídia´, grupos a favor e contra etc. fiquem discutindo , esquecidos dos problemas reais.´
A inflação está aí, os preços aumentam ao sabor de sabe-se lá o que ; foi ( é ? ) pela pandemia, o “fique em casa”, a guerra, mas, alguém poderia lembrar de falta de governo, objetivo, logistica?
Assim, passam os dias – lembra a musica “Quizás, quizás, quizás” – e, nada acontece.
Pior, o outro candidato será um retorno ao passado e, já vemos ressurgir das catacumbas pessoas que pareciam estar definitivamente enterradas.
Infelizmente, apesar de existir demanda de votos por alguém fora dos dois atuais candidatos, inexiste oferta, pois o ego ou interesses excusos impedem uma candidatura fora do que hoje mostram as pesquisas.
Desculpe pelo longo desabafo, mas pouco vejo no horizonte de solução…
Inté!
Sinto o mesmo, é um susto por dia… A volta desses agentes políticos, que o senhor comenta, ê para mim uma das coisas mais desanimadoras.
Excelente análise, Silvia. Se fosse ficção, diria que amei.
Ah, se fosse…