Savoir-vivre. Por José Horta Manzano
Savoir-vivre é expressão que a língua francesa criou 600 anos atrás e exportou para o mundo todo. “Savoir” é saber; “vivre” é viver. Em teoria e ao pé da letra, a tradução seria “saber viver”. Na prática, é um pouco mais que isso.
Em busca de boa definição, consultei diversos dicionários, tanto franceses quanto brasileiros. A formulação proposta pelo Houaiss, embora simples, me pareceu adequada.
Savoir-vivre é o conhecimento e prática dos usos e costumes da vida social.
Sem códigos e regras de comportamento, a vida em sociedade não seria viável. Quando alguém pergunta: “Olá, tudo bem?”, não está realmente interessado em saber se o interlocutor está bem ou não. Está apenas usando um código de polidez. Poderia, em vez disso, dizer somente: “Ô, você aí!”, mas o efeito não seria o mesmo. Seria um começo de conversa torto.
O savoir-vivre designa o conhecimento – e uso – dos códigos que permitem uma convivência civilizada e sem conflitos. O savoir-vivre de um indivíduo mede o domínio que ele tem (ou não) desses códigos e dessas regras de civilidade.
O contraexemplo foi dado menos de 6 meses atrás pelo presidente da República do Brasil. Ainda está na memória de todos a escancarada falta de civilidade demonstrada por nosso capitão quando Joe Biden venceu as eleições para a Presidência dos EUA.
Decepcionado pela derrota de Trump, seu ídolo, Bolsonaro levou 38 dias para reconhecer a vitória de Biden e 73 dias para dar-lhe os parabéns. Tamanha demonstração de falta de savoir-vivre, convenhamos, não é comum. Não se deve esquecer que o chefe de Estado é o porta-voz de facto da população inteira. Suas incivilidades nos envergonham. No caso da eleição americana, foi como se todos os brasileiros tivessem posto em dúvida a lisura do sistema deles. Uma enormidade.
Faz dois dias, Emmanuel Macron venceu as eleições e foi reeleito para mais cinco anos na Presidência da França. Desta vez, nosso capitão foi menos lento. É verdade que não correu para o Tweeter para mandar suas congratulações, permitindo que outros dirigentes lhe passassem à frente.
Vinte e quatro horas depois da reeleição, o governo brasileiro emitiu comunicado. O texto é bastante banal, limitando-se a reafirmar a “disposição de trabalhar pelo aprofundamento dos laços históricos que unem os dois países”. É uma das versões daquele conhecido discurso que, com pequenas adaptações, serve para todas as ocasiões.
Curiosamente, das dezenas de mensagens de congratulações que consultei, a mais calorosa veio de Moscou.
Antes de ler a mensagem, é bom ter em mente que um dos argumentos mais fortes de Macron durante a campanha eleitoral foi a acusação feita a Marine Le Pen de que “Putin é o seu banqueiro!”. Macron disse isso referindo-se ao fato de a campanha de Madame ter sido financiada por um empréstimo concedido por um banco russo cujo dono é amigão de Putin.
Essa promiscuidade pegou mal. Uma presidente da França que deve favores a Putin? Impensável. Ao tomar conhecimento disso, muitos eleitores desistiram de votar nela.
No entanto, na hora de cumprimentar Macron pela vitória, Vladímir Putin mostrou saber que, apesar dos pesares, certas regras de savoir-vivre devem ser respeitadas. Sua mensagem chegou rápido. Vinha na primeira pessoa e dizia: “Eu espero sinceramente que o senhor tenha sucesso em sua ação pública, assim como boa saúde.”
Moral da história
Uns matam bombardeando um povo irmão, outros preferem matar sonegando vacina para o próprio povo. São farinha do mesmo saco. A única diferença parece estar no nível de savoir-vivre de cada um.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.