Do Guarani ao Guaraná. Coluna Carlos Brickmann
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 20 DE ABRIL DE 2022
No livro “O 18 Brumário de Luís Napoleão”, o filósofo alemão Karl Marx cita outro filósofo alemão: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na História do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. Esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.
Mas vivemos num país tropical e bonito por natureza, em que os fatos ocorrem primeiro como tragédia e como tragédia se repetem. Trágico foi eleger um presidente não por ele, mas para evitar que os adversários se mantivessem no poder. Trágico será eleger outro presidente não por ele, mas para evitar a vitória do adversário. Na primeira vez, foi uma tragédia, e pudemos comprovar que a tragédia virou farsa. Na segunda, a farsa nos parece óbvia, e poderemos comprovar que a farsa também vira uma tragédia.
Esqueçamos um pouco os personagens e pensemos no que propõem para o país: Lula propõe a volta ao início do milênio, revogando as reformas que, pouquíssimas, ocorreram, e anestesiando o eleitorado com um vice que tinha horror de esquerdistas (até que recebeu uma oferta irrecusável). Bolsonaro propõe a consolidação do retorno aos tempos em que a tortura era tida como algo inevitável, um fato da vida, tempos em que para analisar a situação era preciso conhecer o Almanaque do Exército.
A volta ao passado tem também, seja quem for, a mancha de muitas histórias de mau uso do dinheiro público.
Onde está…
Não se pode dizer que Lula seja corrupto, já que não está condenado por qualquer das acusações que lhe foram feitas. Mas foi nos governos petistas que um funcionário de terceiro escalão da Petrobras devolveu pouco mais de R$ 180 milhões ao Ministério Público. Foi desses tempos que um empreiteiro de porte, Marcelo Odebrecht, falou em sua delação premiada (e até hoje cumpre pena). Bolsonaro está na mesma situação: não tem qualquer condenação por nada de que o tenham acusado, mas é em seu governo que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, FNDE, tem aparecido em casos que nem resvalam pela educação. No FNDE dois pastores evangélicos comandaram boa parte da distribuição de verbas, sabe-se lá por ordem de quem; e, conforme acusam prefeitos que buscam dinheiro para a educação em seus municípios, houve propinas girando até em barras de ouro.
…a honestidade?
Foi no FNDE, também, que o Tribunal de Contas da União localizou uma licitação de R$ 3 bilhões para computadores destinados a estudantes. Havia uma escola em Itabirito, Minas Gerais, com 255 alunos, que receberia 30.030 notebooks. Os computadores não foram comprados; a investigação foi arquivada. Há agora, também no FNDE, outra licitação, agora de ônibus escolares a preços altíssimos. Já nos governos petistas, há o caso da Refinaria Abreu e Lima, orçada em R$ 12 bilhões, a ser parcialmente paga pela Venezuela (a cujo petróleo, pesado, o equipamento se destina). Os venezuelanos caíram fora e a Abreu e Lima custou mais de R$ 101 bilhões. Seu custo de refinação é de US$ 87 mil por barril, o triplo da média mundial. Tudo por conta da Petrobras.
Mas, não nos esqueçamos, não se pode dizer que Lula ou Bolsonaro sejam culpados, já que não têm condenação.
Um milhão de amigos
Na ditadura militar (aquela que, segundo Bolsonaro, não houve), dizia-se que quem denunciasse um comunista ganharia um Fusca. Quem denunciasse dois comunistas ganharia um Fusca e uma casa popular. Quem denunciasse três comunistas seria preso, por conhecer comunistas demais.
Convenhamos que os candidatos favoritos têm amigos de fé e irmãos camaradas, em quantidade, que se envolveram em casos estranhos.
Arriscou no milhar
Lula jogou parado até agora, fazendo alianças, conversando, certo de que a vitória viria com certeza, talvez até no primeiro turno. Continua o primeiro nas pesquisas, com boa vantagem no primeiro turno, com vantagem ainda maior no segundo. Mas já percebeu que ganhar no primeiro turno está muito difícil, especialmente porque Bolsonaro tem as chaves dos cofres públicos e pode criar “pacotes de bondades” que lhe renderão votos. Mas Bolsonaro se superestima: acha que tem, no povo em geral, o mesmo prestígio que ostenta no cercadinho do palácio e entre um grupinho de motociclistas que até paga para desfilar com ele. Correu o risco supremo: apareceu no estádio do Santos, no domingo, para assistir a Santos x Coritiba. Havia torcedores que tentaram aplaudi-lo, mas os aplausos foram amplamente superados por fortes vaias.
Tirando Médici, todos os presidentes que apareceram nos estádios foram vaiados. Lula foi vaiado no Maracanã, no auge do prestígio. Dilma conseguiu ser vaiada na abertura da Copa do Mundo. E desde que foi criada aquela frase simples, que nem precisa de rima, “Ei, Fulano, vá…” nem dá trabalho vaiar.
Bolsonaro foi ao estádio procurar um problema. Encontrou-o.