Verás que um filho teu não foge à luta. Por José Horta Manzano
Em primeiro lugar, quero deixar bem claro que sinto imensa pena do infeliz povo ucraniano, covardemente atacado pelo (que se acreditava ser o) segundo exército do planeta, poderoso e bem armado. Que os agressores não sejam tão treinados nem tão articulados como se imaginava, não muda nada. São mais numerosos e donos de potencial ofensivo de primeira.
O jornal O Globo dá hoje notícia de 74 ucranianos que fugiram da invasão russa e encontraram refúgio em nosso país. O número de abrigados no Brasil é baixo, um nadinha perto dos 4,5 milhões de solicitantes de asilo que já tinham sido contabilizados deixando o país até o meio-dia de ontem. Assim mesmo, é sempre melhor acolher uns poucos do que nenhum.
Acredito que o Brasil tem potencial – e vocação – para receber muito mais gente. Mas o fato é que os que fogem da Ucrânia neste momento saem com intenção de voltar o mais rápido possível. Não são imigrantes como nos tempos de antigamente, que vendiam tudo, escolhiam o destino e vinham com armas e bagagens pra nunca mais voltar.
Os ucranianos só precisam de abrigo temporário; assim que as bombas pararem de cair do céu, querem voltar. Por isso, é compreensível que prefiram não se refugiar a 11.000 ou 12.000 quilômetros de distância de Kiev.
Na notícia d’O Globo, lê-se o seguinte:
“Os homens somam 83% do contingente de imigrantes ucranianos e 46% do total são do sexo masculino na faixa etária entre 25 e 39 anos. As mulheres somam 17% e a maioria delas, cerca de 10% do total de imigrantes, têm entre 25 e 39 anos. Entre homens e mulheres, não houve imigrantes acima de 65 anos e apenas 2% tinham menos de 14 anos na data de entrada no País.”
Fiquei um tanto perplexo. É sabido que os ucranianos do sexo masculino com idade entre 18 e 60 anos estão convocados para a defesa da pátria e, por esse fato, proibidos de deixar o país. Não é opção, é obrigatório.
A todo momento veem-se imagens de jovens que acompanham mulher e filhos pequenos até a fronteira polonesa, e em seguida embarcam de volta no mesmo trem em obediência à convocação.
A torturada redação do texto do jornal não é um primor de clareza. Assim mesmo, entende-se que 83% dos imigrantes acolhidos no Brasil são do sexo masculino e que os 17% restantes são mulheres, o que não deixa de ser lógico (83% + 17% = 100%). Aprende-se também que não há imigrantes com mais de 65 anos.
Agora vem a conclusão: a menos que todos os homens acolhidos em nosso país tenham entre 60 e 64 anos, portanto fora da faixa de alistamento obrigatório, fato bastante improvável, conclui-se que o Brasil está dando abrigo a um contigente de refratários à convocação decretada pelo governo de Kiev.
Pode-se dar um desconto e imaginar que os imigrantes tenham sido declarados inaptos para o serviço militar por serem “portadores” de problemas físicos ou mentais, como se deve dizer atualmente. Parece conjectura altamente improvável.
Resta a hipótese mais provável: o Brasil está concedendo visto humanitário a homens na força da idade, que chegam solteiros a nosso país, por terem se recusado a ajudar a defender a terra que os viu nascer e crescer. E fazem isso justamente na hora em que ela mais precisa deles.
Se assim for, começa a ficar clara a razão de a maioria dos acolhidos ser do sexo masculino. Fica também evidente o porquê de terem buscado refúgio a milhares de quilômetros da terra natal.
Ajudar a Ucrânia a enfrentar o agressor é uma coisa; acolher desertores é outra. Bem diferente.
Seria interessante pedir esclarecimentos ao Conare (Comitê Nacional para os Refugiados).
Por fineza, o distinto teria o número de telefone deles?
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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