A mistificação tributária em proveito próprio. Por Everardo Maciel
…O primeiro estágio da mistificação é difundir chavões autodifamatórios, que prosperam facilmente ante a existência de problemas reais. O propósito, entretanto, não é resolver os problemas, mas dar curso às “teorias”, mediante saltos lógicos que as articulam com os chavões e os problemas.
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O ESTADO DE S. PAULO, EDIÇÃO DE 7 DE ABRIL DE 2022
Nada é tão propício para mistificação do que explorar conceitos inacessíveis a leigos, respaldados por “teorias” que, embora elegantes, não têm validação empírica ou são meras fabulações extraídas de realidades intransponíveis.
Essa mistificação é um eficaz veículo para dar curso a interesses próprios ou patrocinados, especialmente quando incide sobre temas que atraem rejeição social, como a tributação, no clássico ensinamento de Ives Gandra.
O primeiro estágio da mistificação é difundir chavões autodifamatórios, que prosperam facilmente ante a existência de problemas reais. O propósito, entretanto, não é resolver os problemas, mas dar curso às “teorias”, mediante saltos lógicos que as articulam com os chavões e os problemas.
O estágio seguinte consiste em edulcorar as teorias com generalidades reluzentes, como simplificação, neutralidade e justiça fiscal, que todos em princípio sancionam, mas cuja consecução não é tarefa trivial.
Assim, são esgrimidas soluções pueris, como juntar tributos para simplificar, eliminar incentivos fiscais para conferir maior neutralidade ou aumentar alíquotas nominais, na tributação da renda, para aumentar a justiça fiscal.
A realidade é, entretanto, complexa e corre o risco de tornar-se ainda mais, se adotadas determinadas soluções. Há uma farta coleção de exemplos que abonam esse entendimento, aqui e lá fora.
Como assinala James Hines Jr. (Perils of Tax Reform): “é sempre tentador reformar o sistema tributário, porque os impostos estão cronicamente precisando de reformas”. O Brasil não foge à regra. Aqui, como em todos os países, sempre haverá o que reformar em relação à matéria.
Reformas tributárias devem começar pela adequada formulação dos problemas e suas possíveis soluções, e não pela discussão de pretensas soluções, estigmatizadas por uma pirandelliana busca por seus desconhecidos problemas. A partir daí é que se constroem as convergências possíveis.
A Espanha constituiu, no ano passado, uma comissão integrada por grandes especialistas para explorar os problemas tributários do país, em um olhar prospectivo. A comissão apresentou, em fevereiro, o “Livro Blanco sobre la Reforma Tributaria”, notável trabalho que servirá de paradigma para as discussões.
Essa opção sensata contrasta com a pressa e a superficialidade, como o tema é debatido no Brasil, a exemplo da PEC 110, em tramitação no Senado, sem que sequer sejam conhecidas suas repercussões e identificados os virtuais beneficiários.
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EVERARDO MACIEL – * CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002)
Os balanços fiscais já têm regras internacionais. Acredito que não verei mas, as legislações trabalhistas irão, devagar quase parando, convergir, nem americanas ou chinesas, nem brasileiras ou europeias, é uma necessidade para evitar conflitos na OMC, posto que os americanos já quiseram punir o Brasil por dumping através de baixos salários.
Para se obter a confluência das legislações trabalhistas, terá que haver a confluência fiscal; tentar corrigir um deixando o outro será pior que manter como hoje está.