Ainda somos o país do futuro? Por Jaime Pinsky
Algumas questões são fundamentais e precisam ser abordadas pelos candidatos
A campanha política está em pleno andamento. É verdade que nenhum candidato a candidato, ou mesmo candidato assumido apresentou, por enquanto, qualquer projeto consistente sobre as questões centrais do país. Pena. Elas precisam ser abordadas com seriedade. E, para evitar enganos, deixo claro que as questões centrais não são simplesmente as urgentes, mas as importantes, aquelas que, devidamente resolvidas, poderiam nos transportar ao almejado e cada vez mais distante patamar em que deveríamos chegar, o de nação desenvolvida, socialmente justa. Queremos que nosso Brasil volte a ser um lar ambicionado por gente do mundo todo, não apenas por refugiados.
Para quem tem alguma memória, valeria a pena se lembrar de alguns pontos fundamentais, superficialmente tocados na última campanha presidencial: educação pública laica, universal e de qualidade, de modo a propiciar igualdade de oportunidades reais, não apenas nominais; habitação, água e esgoto para todos; sistema de transporte de qualidade (inclusive ferrovias, hidrovias e cabotagem); fartura de alimentos para seres humanos, não apenas para gado e galinhas; qualificação da mão de obra, para que possa haver mais empregos e mais empresas de bom nível; manutenção e expansão da rede pública de saúde; preocupação com o esporte como atividade voltada para a saúde, não apenas para a competição; controle sobre a usura praticada fora e dentro da lei; sistema de justiça democrático, desde o julgamento até o encarceramento. Embora tocados por alguns candidatos nas últimas eleições presidenciais – muito superficialmente, para dizer a verdade -, esses temas e vários outros foram debatidos com alguma seriedade em órgãos de imprensa e com real profundidade em livros. Uma das obras mais sérias, com propostas concretas em diferentes áreas, da Economia ao Esporte, da Educação à Agricultura, passando por Ciência e Tecnologia, Saúde, Segurança Pública e Meio Ambiente, foi “Brasil, o futuro que queremos”. Embora suspeito, por ter organizado a obra, estou à vontade para falar de um trabalho que não escrevi. Apenas estruturei, lancei perguntas, fiz observações, padronizei o material e redigi uma introdução. O conteúdo coube a especialistas, de diferentes correntes e cores políticas, gente aberta, articulada, capaz de juntar o saber com a prática. Brincando, eu chamava o grupo de “meu ministério”.
Seria um desperdício não aproveitar muitas das ideias e sugestões apresentadas nesse livro como tema para discutir nosso país, por ocasião da próxima campanha presidencial. Noticiários na TV, nas rádios e nos jornais têm ido pouco além da divulgação de pesquisas eleitorais (que não ajudam a compreender o país), quando não ficam exibindo manobras realizadas por supostos políticos “hábeis”. É pouco, muito pouco. Precisamos mesmo é discutir os problemas brasileiros. Não é uma competição para ver quem é o mais esperto, mas o mais preparado. Ou estou equivocado?
A percepção que as pessoas têm de quanto o Brasil é injusto é algo muito sério, pois não se pode tecer um país unido com a desigualdade social vigente. A desigualdade favorece a existência de arrogantes de um lado e dissimulados de outro. Um jovem advogado, muito idealista ainda, me dizia que, no Brasil, todos são iguais perante a letra da lei, mas não perante o espírito da lei. Na prática, o poderoso, quando prevarica, é bem defendido, muito bem defendido, defendido com tudo que a lei permite e, às vezes, até um pouco além disso. Quem não pode vai para a cadeia, sofre dias, meses, anos e, se sobrevive às prisões brasileiras, não terá muita chance de se recuperar. E esse sistema, vamos ser claros, não é acidental, é estrutural. Ele reflete a concepção que temos de um estado que é de todos, mas não é para todos. É de todos que pagam o aumento no custo dos alimentos, do transporte, do material escolar, das roupas vindas da China e do Vietnã. O Brasil é um país em que o desemprego é gigantesco, porém, aonde quer que se vá, vai se ouvir patrões dizendo que têm vagas em aberto, por falta de mão de obra qualificada. É um país que acha que todo mundo, para ser cidadão, precisa ter faculdade, e para isso aprova o funcionamento de pseudo universidades, verdadeiras Unidrogas e Unigranas, que ainda são beneficiadas com empréstimos feitos aos alunos, para eles pagarem a anuidade… Em troca, exigem muito pouco do aluno. A preocupação não é preparar gente, é fornecer um diploma para os pagantes. Diploma, que por seu turno, não servirá para nada.
O Brasil tem solução? Teoricamente tem. Até países na Ásia Oriental, no Oriente Médio (com solo desértico e sem petróleo), no sul do Pacífico consolidaram-se como democracias pujantes e sociedades equilibradas. Não há motivos geográficos ou históricos que nos condenem a ser, para sempre, o país do futuro que passou.
O futuro que queremos é outro.
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JAIME PINSKY: Historiador, professor titular da Unicamp, autor ou coautor de 30 livros, diretor editorial da Editora Contexto. Autor de vários livros sobre preconceito, cidadania e escravidão. Organizador e coautor do livro “Novos Combates da História“.
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