Oscars. Por Wladimir Weltman
… A noite de ontem nos Oscars gerou um espetáculo muito mais contundente e inesperado do que o costumeiro desfile de estrelas recebendo estatuetas e fazendo discursos longos e, às vezes, divertidos…
“PELA PONTA DOS MEUS POLEGARES, ALGO MALÉFICO VEM NESTA DIREÇÃO.”
William Shakespeare, Macbeth
Como numa tragédia shakespeariana, as circunstâncias criaram um enredo cheio de drama, horror e questionamentos.
Um homem às vésperas de seu momento de glória, quando todos sabiam que seria coroado como o melhor de sua categoria, frente aos seus pares mais ilustres e as lentes das câmeras de TV, cometeu um ato chocante, que emudeceu os transmissões e calou fundo na mente dos que assistiam, sem entender totalmente de onde surgiu tal violência.
Refiro-me ao momento em que o comediante Chris Rock, em meio a seu monólogo, fez uma piada infeliz, comicamente fraca e que na verdade continha um elogio truncado à beleza da esposa do ator Will Smith, a atriz Jada Pinkett Smith, e sua total calvície (que depois fiquei sabendo, é devida a uma alopecia, mas que para a maioria já era de conhecimento geral).
As imagens mostraram então, que ao ser feito o comentário, somente Jada pereceu não gostar da coisa. Will ainda sorria frente as câmeras. Mas em seguida vimos o ator subir ao palco e atingir Chris Rock no rosto com um soco, ou bofetada (não dava pra ver claramente), somente ouvimos o ruido da pancada. Surpreso, Chris perdeu o rebolado, pois até então achava que Will iria fazer apenas alguma brincadeira com ele no palco.
Nunca na história dos Oscars vi cena igual.
E olha que de Oscars eu entendo. Cobri como jornalista mais de oito vezes esse evento. Além de todos esses anos, vestido de smoking, andando nos bastidores da festa, entrevistando ganhadores, também produzi muitas matérias de véspera para os programas VITRINE e METRÓPOLIS da TV Cultura. Nessas matérias mostrei aspectos dos Oscars como as modas, os musicais, a história da estatueta e uma série de depoimentos de vencedores sobre onde guardavam o seu Oscar. Uma matéria em especial mostrava todas as gafes e momentos inesperados do evento – como a vez que Marlon Brando não apareceu e mandou uma indígena americana devolver a estátua, discursando em nome dos índios injustiçados por Hollywood; ou a vez em que um homem pelado passou atrás de David Niven fazendo um “streaking”, algo comum nos anos 70; ou ainda a vez que Charlton Heston ficou preso num engarrafamento e pediram a um encabulado Clint Eastwood para improvisar frente as câmeras – mas nunca nada foi tão chocante quanto a explosão agressiva de Will Smith sobre o colega Chris Rock.
A festa que até aquele momento corria tranquila, num clima alegre, pois todos estavam satisfeitos de poder se reencontrar em pessoa e sem mascaras, comemorando bons filmes e a oportunidade de rir novamente com a apresentação de 3 comediantes mulheres no comando da festa — Amy Schumer, Wanda Sykes e Regina Hall – depois da ocorrido mudou completamente.
O fato é que a coisa foi tão inesperada e absurda, na platéia e em casa, todos se perguntaram – o que raios realmente aconteceu?
O mais estranho foi quando, minutos depois, Will Smith voltou ao palco, desta vez para receber o seu primeiro Oscar de Melhor Ator por interpretar o pai das tenistas Vênus e Serena Willians no filme KING RICHARD.
Envergonhado e chorando, Will num discurso longo e confuso, tentou emendar conceitos desconexos explicando a todos e a si mesmo, o que havia acontecido. Afirmou que ele, assim como seu personagem no filme, são “ferozes defensores” da família – “A arte imita a vida. Eu pareço o pai maluco, como Richard Williams. Mas o amor faz você fazer coisas loucas”.
Continuou se justificando ao dizer que: ”Neste negócio, você tem que ser capaz aceitar pessoas te desrespeitando, tendo que sorrir e fingir que está tudo bem”.
Ainda assim pediu desculpas à Academia e a todos os colegas indicados — menos ao comediante Chris Rock, vítima do ataque. E admitiu a possibilidade de que a Academia talvez não o convide de volta nunca mais.
Mas o melhor comentário do discurso de Will, que me permitiu um certo insight no que aconteceu, foi quando repetiu a frase que Denzel Washington lhe disse após o incidente que: “No seu momento mais alto, tenha cuidado. É quando o diabo vem atrás de você.”
Curiosamente Denzel estava ali concorrendo com Will pelo Oscar de Melhor Ator por sua interpretação do amaldiçoado rei escocês no filme MACBETH, baseado na peça de William Shakespeare. Um personagem que coloca tudo a perder ao cometer um ato condenável que muda irremediavelmente o seu destino.
Enquanto o show dos Oscars seguia em frente, as redes sociais se inundaram de comentários sobre o ocorrido. Entre as muitas coisas que li, a que mais me agradou foi o comentário de uma colega publicista aqui em Hollywood, e que conheci ao longo dos anos em diversos eventos da indústria. Ela escreveu no Facebook:
“Eu não acho que o desempenho de Will foi melhor do que seus colegas indicados, foi bom, não ótimo. O filme foi bom, não ótimo. Sabendo que essas coisas têm mais a ver com campanha (publicitária) do que qualquer outra coisa, acho que ele conseguiu votos porque é conhecido como um cara legal… Mas agredir Chris Rock no palco, com um tapa; depois gritar palavrões por causa de uma piada, fazendo com que o show inteiro parasse, foi totalmente infantil. Isso não foi por amor, foi coisa de ego. É por isso que as pessoas reclamam de Hollywood. Levam-se tão a sério que não conseguem rir de uma piada sobre uma das mulheres mais bonitas e de cabeça raspada de Hollywood. Decepcionante”.
Concordo com ela. No momento em que a sociedade começa abrir espaço para minorias como a comunidade LGBT e as mulheres em geral; e quando os negros parecem estar finalmente sendo “convidados à mesa”, um representante tão querido desse grupo tomar uma atitude dessas, é realmente lamentável. Ainda mais sendo Will Smith. Conheço bem a carreira de Will e tive mais de uma vez a oportunidade de conversar com ele. Sei que Will não é o típico “macho tóxico” que tenta desesperadamente bloquear todos esses avanços sociais. Muito pelo contrário.
Ele é apenas um homem que por alguma razão perdeu o controle e fez algo completamente sem sentido. Certamente essa agressão física vai doer mais nele do que em Chris Rock. Will cometeu essa barbaridade na frente das pessoas mais poderosas da indústria cinematográfica americana, sem mencionar os milhões de telespectadores do show no mundo afora. Qual será o resultado disso para a carreira e vida de Will Smith, só o tempo dirá. Mas serve de indício de que talvez a era do machismo empedernido começa a desmoronar. Precisou o menos típico exemplar de macho tóxico ter feito o que fez, para nos conscientizarmos de que esse tipo de atitude humana não pode ser aceita e aprovada.
No Brasil onde um estupro acontece a cada 10 minutos e um feminicídio a cada 7 horas (dado de Pixabay Rute Pina e Camila Brandalise De Universa, São Paulo 07/03/2022) e a cada 20 horas ocorre uma morte por lgbtfobia no Brasil (dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), por Larissa Mayumi e Jane Camila do Movimento de Mulheres Olga Benário e UJR), é o mesmo Brasil em que figuras públicas constantemente se comportam como trogloditas, vangloriando-se de ações criminosas e atitudes preconceituosas contra esses mesmos grupos.
É fundamental que aconteçam mudanças o mais rápido possível em nosso país.
__________________________________________________________________
WLADIMIR WELTMAN – é jornalista, roteirista de cinema e TV e diretor de TV. Cobre Hollywood, de onde informa tudo para o Chumbo Gordo
__________________________________________________________________________
(DIRETO DE LOS ANGELES)
Pensei que fosse parte do roteiro, inicialmente.