Rogação aos brasilianistas nacionais (Oxalá). Por Meraldo Zisman
Surgido no século XX, os brasilianistas são pesquisadores estrangeiros, em sua maioria americanos, instalados no Brasil, que levantam questões diversas e precisas a respeito do Brasil que a nossa História procura esconder. Fato que os tornam passíveis de críticas, porém com acesso amplo a documentos e dados arquivados e ao estrangeirismo nacional definido como complexo de cachorro vira-lata, como escrevia e dizia Nelson Rodrigues (jornalista, 1912 – 1980). Os brasilianistas contrariam os intelectuais brasileiros que não possuem tais facilidades políticas, econômicas, revelando nossa verdadeira historiografia e como ela pode sofrer mudanças ocasionais.
Veja abaixo dois exemplos que a maioria sabe ou intui, ou desconfia: da influência africana no português-brasileiro: OXALÁ é um vocábulo de dupla acepção e origem. Quando escrita com a inicial “O” maiúscula, significa divindade afro-brasileira, toma o lugar de Oloru (o espírito supremo). Sua cor preferida é o branco. Seu dia de devoção é sexta-feira, e os animais sacrificados em sua homenagem são cabras e pombos-brancos. Na correspondência entre orixás e santos católicos, é identificado com Nosso Senhor do Bonfim, na Bahia, ou com o Padre Eterno, Jesus Cristo e, raras vezes, com o Divino Espírito Santo. O outro significado, oxalá! com ‘O’, minúsculo, é uma interjeição de origem árabe (semita), cujo sentido significa queira Deus; prouver a Deus: exprime o desejo de que certa coisa suceda; tomara que sim!
Oxalá! Tudo saia como planejamos!
Essa diversidade de interpretação do português falado no Brasil é exemplo da amálgama de concepções heterogêneas que se sedimentaram na formação do brasileiro. Não o brasileiro do Eça de Queirós, português que fez fortuna no Brasil e voltou para Portugal abonado, porém permaneceu um mal educado. Conferir em Farpas, fevereiro de 1872.
O outro exemplo é o dos cristãos-novos, judeus convertidos marranos (porcos) fugidos das inquisições ibéricas. Considerando que as nossas origens marrânicas jazem soterradas pelos poderosos de plantão e outros motivos mais, não me cabe, no momento, aprofundar-me no assunto. O rio marrânico de nossa formação, apesar de sepultado pelo antijudaísmo, não importa se por razões religiosas ou, mais tarde, raciais, como na ditadura do Estado Novo, permanece, apesar das discriminações, irrigando nossa formação, ajudando a aplainar as diferenças das diferentes etnias formadoras de nossa gente. Na verdade, alguns dos nossos pesquisadores não podendo mais, em pleno século XXI, solapar a verdade dos fatos históricos, resolveram desbravar, com sua pesquisa moderna e menos arraigada ou limitada.
Como diz o Talmude israelita (conjunto de leis orais tradicionais que contém regulamentos religiosos e civis judaicos): A verdade é como o azeite que sobe à água, aflora, por mais que a tentem camuflar os mentirosos ou bajuladores do Poder, como lamparina a iluminar o nosso passado: —Eis que explode, como a força da água represada, em numerosos trabalhos histórico-científicos as verdades – verdadeiras.
Oxalá!
Continue emergindo, mais e mais, e queira Deus deixe os círculos acadêmicos, ganhe o mundo, aufira as ruas, as esquinas e as praças, antes que algum brasilianista resolva estudar esses documentos com menos preconceitos e não conforme os poderosos de plantão. O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente, dizia o poeta Mario Quintana (1906 – 1994), lá do Rio Grande do Sul.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.
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Meraldo Zisman…
É sempre um motivo de reflexão ler os seus textos, sábios e concisos em meio a densidade dos temas.