Standing ovation. Por José Horta Manzano
… Sempre ovacionado de pé por parlamentares, já discursou ao vivo, por meio de telão, no Parlamento da União Europeia, no Congresso Americano, no Bundestag (Parlamento Alemão). Já se exprimiu também nos seguintes parlamentos: Canadá, Itália, Japão, Israel, Reino Unido. Ontem foi a vez da França, onde foi ouvido por deputados e senadores reunidos em sessão extraordinária. Recebeu a habitual standing ovation…
Até um mês atrás, a popularidade de Volodímir Zelenski, presidente da Ucrânia, andava baixa. Ele seguia o destino reservado a todos os políticos de quem os eleitores esperam milagres. Dado que, em tempos normais, milagres não costumam ocorrer, a população que conta com eles acaba se sentindo frustrada.
Acontece que a invasão das tropas russas virou o país de ponta-cabeça, e a situação mudou drasticamente. Calcula-se que, até agora, 10 milhões de cidadãos tiveram de fugir abandonando casa e bens. Isso representa 23% da população do país. Proporcionalmente, é como se 49 milhões de brasileiros tivessem sido obrigados a fugir, sem destino certo, só para salvar a pele. Uma calamidade!
O Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados informa que, até ontem 23 de março, 3,7 milhões de ucranianos – um contingente constituído basicamente de mulheres, crianças e anciãos – foram mais longe: atravessaram a fronteira e deixaram o país natal em busca de refúgio no estrangeiro, principalmente na Polônia.
Zelenski, o presidente em quem ninguém botava muita fé até outro dia(1), tem mostrado ser excelente chefe de guerra. Encarna o herói tal como é definido nos dicionários: aquele ser carismático que, em circunstâncias adversas, se destaca como figura protetora que mostra o caminho a seguir.
Seu passado de ator tem sido precioso na adversidade. O trabalho de anos diante das câmeras deu-lhe segurança na hora de falar ao público. Por meio de internet, zoom e telão, tem sido o convidado de honra de numerosos parlamentos ao redor do globo.
Sempre ovacionado de pé por parlamentares, já discursou ao vivo, por meio de telão, no Parlamento da União Europeia, no Congresso Americano, no Bundestag (Parlamento Alemão). Já se exprimiu também nos seguintes parlamentos: Canadá, Itália, Japão, Israel, Reino Unido. Ontem foi a vez da França, onde foi ouvido por deputados e senadores reunidos em sessão extraordinária. Recebeu a habitual standing ovation.
Zelenski sabe encontrar as palavras certas para tocar o fundo da alma dos que o escutam. Nos EUA, lembrou os ataques a Pearl Harbour e às torres gêmeas; na Europa, mencionou as invasões da Segunda Guerra; na França, comparou as ruínas da cidade-mártir de Mariúpol à destruição da francesa Verdun, na Primeira Guerra.
Diferentemente de seu xará russo, que pensa muito em si e pouco no próprio povo, Volodímir Zelenski tem demonstrado pouco apego à própria vida e grande amor pelo povo que o elegeu. Sabe perfeitamente que, a todo momento, um míssil russo pode destruir o palácio do governo, que ele transformou em seu quartel-general. Transpira coragem, enquanto Putin, seu agressor, vive cercado por um batalhão de seguranças e não come nada que não tenha sido antes experimentado por um dos provadores oficiais.
A Ucrânia, a Europa e o mundo inteiro torcem para que esse pesadelo termine logo. Esta é uma guerra que só deixará perdedores. Perde a Ucrânia, um país destruído. Perde a Rússia, um país condenado a passar as próximas décadas à margem da civilização. Perde o mundo, que vê ressurgir o pavor do urso soviético, que todos imaginavam morto e enterrado.
Zelenski não discursou para os parlamentares brasileiros. Desconheço a razão. Talvez, ocupados com escândalos paroquiais, tenham esquecido de convidá-lo. Ou talvez nosso Congresso não disponha de telão – deve ser isso.
Em outubro de 1977, em pleno regime militar – só os muito antigos se lembrarão – nosso Congresso recebeu a visita da lindíssima atriz holandesa Sylvia Kristel. Ela tinha sido a estrela do filme Emmanuelle. A exibição do filme tinha sido proibida no Brasil, por ele ter sido considerado ousado demais. A censura só viria a liberá-lo 3 anos mais tarde.
Jornais da época relatam a tietagem de que a moça foi objeto por parte de assanhados parlamentares. (A palavra tietagem ainda não existia; dizia-se paparicação.) Sylvia Kristel conversou com deputados e senadores, todos encantados e admirativos. Foi recebida até pelos presidentes do Senado e da Câmara, respectivamente Petronio Portella e Marco Maciel(2).
Não se deve tirar nenhuma conclusão apressada. Seria injusto afirmar que nossos parlamentares se encantam mais com a visita de uma beldade estrangeira do que com um drama que sacode a Europa e que trará, é certeza, repercussões (negativas) para a economia nacional e para o dia a dia de nossa população.
Vai ver que só não convidaram Zelenski para discursar por videoconferência por não disporem do número de telefone dele.
(1) Muitos não botavam fé em Zelenski, é verdade. Mas eu não soube de nenhum chefe de Estado que tenha cometido a imprudência de zombar dele, logo nos primeiros dias da invasão, como fez nosso capitão Bolsonaro, quando fez pouco e tentou rebaixar o colega ucraniano chamando-o de “comediante”. Com direito a muxoxo.
(2) Marco Maciel, que foi vice-presidente do Brasil ao longo dos dois mandatos de FHC, faleceu no ano passado. Ele e um certo Olavo de Carvalho foram as únicas personalidades falecidas durante o governo Bolsonaro que tiveram direito a um decreto de luto oficial. (Coincidentemente, ambos faleceram de covid, doença que o capitão diz que não existiu.) Diga-se, em desagravo à memória de Maciel, que ele dificilmente terá cruzado algum dia com o outro homenageado. Não frequentavam a mesma paróquia.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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Caro Manzano; o Presidente da Ucrânia tem se mostrado um grande comunicador e, que mais poderia fazer?
Abandonado por todos os que – de longe fingem apoia-lo – resta discursar para o mundo, enquanto seu país a vista de todos se esfarela…
Pena, conheço um pouco da história da Ucrânia através de livros – Anne Apllebaum é um bom começo e Tomothy Snyder uma continuidade – e, casado com uma descendente de lituanos, li e ouvi acontecimentos terríveis na agora região de conflito.
Mas, existem outras guerras, não tão populares…
Tempo passa, armas novas são inventadas, outros chegam e sempre se vê uma obviedade: quando haverá respeito pelo ser humano?
Hoje a guerra chega mais rápido em nossas vidas, não só por aumento de preços, justificativas de quem nada entende de onde está, mas principalmente imagens duras de quem tudo perde, sem poder sequer questionar.
Um abraço…
Olá, Xará!
Neste Brasil, tão longe de Deus e tão perto de Bíblias mercadejadas contra quilos de ouro, a visão se esfuma. Tão habituados estamos a ver surgirem líderes falsos, que apenas buscam satisfazer os próprios interesses, que acaba ficando difícil distinguir o “fake” do verdadeiro.
Na castigada Ucrânia, chegou a hora de a onça beber água. É nesses momentos que os líderes verdadeiros se destacam. Zelenski poderia, desde o primeiro dia, ter se refugiado em qualquer capital europeia. Teria sido acolhido com um abraço, casa e comida, espaço na mídia, entrevistas na tevê, vida de aposentado rico, direito a transmissões online de encorajamento aos combatentes de seu país. Não escolheu esse caminho, e só isso já o diferencia de outros dirigentes que, em outras épocas, não tiveram a coragem nem a dignidade de ir até o fim.
Tenho grande admiração por esse homem. E torço sinceramente para que tudo dê certo para ele e seu povo.
Você tem razão quando diz que umas guerras são mais “populares” que outras. Na mesma linha, alguns refugiados são mais bem recebidos que outros. É compreensível. O ser humano é mais sensível ao que ocorre nas cercanias do seu mundinho do que ao que se passa do outro lado do planeta. Um europeu se sente mais identificado com refugiados europeus, de pele clara, cristãos, atacados pelo ogro russo do que se sentiria se os asilados fossem de uma etnia birmanesa, de pele escura, maometanos, atacados por uma etnia laociana. É da vida. O universalismo de espírito ainda não inundou a humanidade.
Abraço.