Ecos do Pombinato. Por Alexandre Schwartsman
A justificativa arbitrária para a decisão do Copom na semana passada ecoa o erro de política monetária de 2011. Há risco de deterioração adicional de expectativas, elevando o custo de desinflação nos próximos meses.
PUBLICADO ORIGINALMENTE NA INFOMONEY, EDIÇÃO DE 23 DE MARÇO DE 2022
A decisão do BC anunciada na semana passada, aumento de 1 ponto percentual na meta para a taxa Selic, não era minha aposta, como deve ter ficado claro na minha coluna anterior, mas veio em linha com o esperado pela maioria dos analistas, bem como com a sinalização anterior do próprio BC.
Confesso que nunca é bom errar o palpite sobre o Copom, em particular com uma opinião contrária à da maioria e, pior, desafiando as indicações de quem, ao final das contas, tem o poder de decisão. Garanto, porém, que esta coluna não está sendo escrita por força da dor-de-cotovelo; mais do que a decisão em si, a justificativa para ela me parece abrir um precedente complicado para a atual diretoria, cujo impacto sobre as expectativas de inflação será negativo. O resultado, adianto, deverá ser um custo ainda maior para promover reduzir a inflação nos meses à frente.
Como antecipei semana passada, a projeção do cenário de referência (antigo cenário básico) do BC apontou para inflação de 3,4% em 2023, presumindo que a taxa Selic alcançasse 12,75% ainda este ano e permanecesse neste patamar até o começo do ano que vem.
Valem a este respeito dois comentários. O primeiro é o aumento da projeção de inflação para o ano que vem comparado ao cenário exposto em fevereiro apesar de: (1) trabalhar com a Selic algo mais alta (12,75%, contra 12,0% presumido em fevereiro); e (2) partir do dólar a R$ 5,05, contra R$ 5,45 utilizado em fevereiro. Dito de outra forma, mesmo com desenvolvimentos que tenderiam a reduzir a projeção de inflação para 2023, ela aumentou, sugerindo forças ainda maiores no sentido contrário.
Note-se ademais que o BC ainda atribui risco maior de a inflação ficar acima da projetada, por conta da piora fiscal, do que abaixo de sua previsão, sugerindo, na verdade, um número ao redor de 3,5% para a inflação do ano vem, contra meta de 3,25%.
O segundo comentário é que, face a situação semelhante em fevereiro, o BC abriu o jogo com sinceridade ímpar, afirmando que:
“os cenários (…) consistentes com a convergência da inflação para suas metas, pressupunham trajetória da taxa de juros superior às utilizadas no cenário de referência.”
Em linguagem humana, elevar a Selic para 12% ao ano não bastaria para trazer a inflação de volta para a meta; seria preciso mais.
Não é difícil concluir que tal alerta também caberia nas atuais circunstâncias: mesmo supondo a Selic a 12,75% a projeção de inflação se distanciou ainda mais da meta.
Ao invés de um alerta, contudo, o que se viu foi a apresentação de um novo cenário (“alternativo”) no qual:
“adota-se a premissa [que] o preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura de mercado até o fim de 2022, terminando o ano em US$100/barril e passando a aumentar dois por cento ao ano a partir de janeiro de 2023.”
O resultado foi uma redução da previsão inflacionária para 3,1% em 2023, permitindo ao BC então assegurar que:
“o ciclo de juros nos cenários avaliados é suficiente para a convergência da inflação para patamar em torno da meta ao longo do horizonte relevante.”
Ou seja, sob o cenário alternativo, atingir 12,75% ao ano (mais uma alta de 1 ponto percentual em maio) bastaria para trazer a inflação de volta à meta.
Em vez de, portanto, definir a taxa de juros com base nas projeções de inflação, o BC na semana passada parece ter primeiro determinado que terminaria o ciclo de aperto em maio, com a Selic a 12,75%, e então produzido um cenário que justificasse tal decisão.
No campo da política monetária, contudo, alterar a ordem dos fatores altera, como regra, seu produto.
Se me permitem esticar um paralelo um tanto além do que seria justo, tal caso me lembra o ocorrido em setembro de 2011, quando o BC – então liderado por Alexandre Pombini (é Pombini mesmo, não Tombini) – reverteu o ciclo de aperto monetário então em curso, reduzindo a taxa de juros. A justificativa à época veio de um modelo novo de projeção, nunca utilizado antes (ou depois) daquela reunião, para afirmar que uma crise na Europa derrubaria a inflação brasileira.
A partir daquele momento o BC perdeu por vez o controle das expectativas inflacionárias, como revelado pelo gráfico abaixo: a inflação esperada 12 meses à frente, que se encontrava no intervalo 0,5-1,0% acima da meta, moveu-se para patamar 1,0-1,5% acima da meta e depois superior a 2%.
Pombini, a despeito do controle de preços de combustíveis (que endividou a Petrobras e devastou o setor sucroalcooleiro) e de energia (que quase quebrou o setor elétrico), nunca entregou a inflação na meta, culminando com seu fracasso em 2015. Apenas com Ilan Goldfajn e uma nova diretoria o BC conseguiu recuperar a credibilidade perdida, como também exposto no gráfico.
Fonte: Autor com dados do BC
Isto dito, sim, meu paralelo é algo exagerado, porque não falamos agora de um “cavalo-de-pau” na política monetária, já que o BC deve manter o ciclo de aperto. No entanto, não há como evitar certo mal-estar: a autoridade monetária parece relutante em fazer o necessário para trazer a inflação de volta à meta em 2023, ou seja, 21 meses à frente!
O resultado deveria ser a elevação da inflação esperada para 2023 e – surpresa! – foi precisamente isto que o BC colheu já nos primeiros dias depois de sua decisão. A mediana das expectativas para o ano que vem coletadas pelo BC subiu de 3,70% para 3,75%. Não parece muito, mas passaram-se apenas dois dias entre a decisão (quarta à noite) e a mudança, notando ainda que a mediana (a valor que divide a amostra em duas metades iguais) tipicamente se move de maneira mais lenta que a média das expectativas para 2023, a qual já atingiu 3,79%.
Expectativas para a inflação não são um luxo dos bancos centrais. Há motivos para crer que, particularmente no caso de produtos cujos preços são reajustados infrequentemente, a inflação esperada acabe sendo incorporada ao preço final. Expectativas, portanto, podem afetar a inflação corrente e costumam fazê-lo, como Pombini teve a oportunidade de aprender durante o pombinato à frente do BC.
É este, portanto, o risco que a atual diretoria tomou ao sacar do nada um cenário arbitrário para justificar a decisão de política monetária. Caso se materialize, o BC precisará elevar mais, não menos, a Selic para conter as pressões inflacionárias adicionais, aumentando o custo da desinflação em termos de produto e emprego.
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* ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com
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